RECONSTRUIR O HUMANO

 

Reconstruir o humano na era do pós humano - Pe. Nelito Dornelas


Sempre quando alguém nos fere, intencionalmente ou apenas por descuido, num gesto de desprezo, grosseria, ironia, ou mesmo em ardilosa e cavilosa maldade, por palavras, atos e omissões,

inevitavelmente, tal ofensa se derrama sobre nossa alma como um ácido que corrói, ou o que é pior: como um solavanco que, não raro, desperta a nossa própria maldade. É até possível que consigamos não revidar, mas inegavelmente neste instante, quase sempre, apodera-se de nós um secreto desejo de vingança, a vontade de que o outro experimente a mesma dor e sinta a aflição do mesmo sofrimento. É quando o monstro de nossa própria maldade, que pensávamos já mais ou menos domesticado nos muitos anos de devota ascese, se revela como apenas adormecido e muito facilmente despertável.

É preciso ter uma grande alma ou ser como o mar, largo e profundo, para não se obscurecer com rios tão turvos. Evitar que a maldade que, de fora, nos sobressalta, assalte a nossa bondade, arrebente-nos a alma e nos arrebate nos seus próprios turbilhões, não é fácil. Ordinariamente o que ocorre é o contrário: alguém nos fere e, assim, feridos, ferimos. Acontece que também o outro foi ferido e aí os sentimentos se açulam, as paixões se aguçam, as palavras se atiram, com um ímpeto que já não conhece nem limite nem medida, numa espiral diabólica de maldade sobre maldade. Até que, atordoados, se afastem os contraentes, quase sempre em mórbido silêncio e, em ambos os frontes, com um indisfarçável sentimento de perda.

Pois, é claro que podemos fazer o outro sofrer muito com nossas ásperas palavras impensadas ou argumentos preparados, com nossas malícias, grosserias, interesses escondidos, segundas intenções, nossas mentiras e mesquinharias. Mas, ao final, nunca será apenas o outro a vítima da nossa maldade. Nós mesmos é que perdemos. Quando mentimos, nós é que perdemos um pouco da nossa verdade. Quando somos impiedosos, nós é que perdemos um pouco de nossa grandeza de coração. Quando somos rudes e rígidos, nós é que perdemos um pouco de nossa cortesia e delicadeza. Quando infernizamos a vida de alguém, nós é que nos colocamos do lado de fora do reino da fraternidade.

Neste horizonte, apresento-lhe um texto de Bernard Häring que diz assim:

Os senhores da guerra, os políticos de mentalidade violenta, eu os considero doentes. Mas eu também me encontro no hospital: nós todos estamos um pouco doentes. É, portanto, necessário que se inicie um processo solidário para curar os outros e tratar de nós também. Considero os violentos, sem dúvida alguma, como vítimas de patologias coletivas, vítimas de uma história patológica. Mas nós também não estamos totalmente curados...portanto, somente com esta consciência de que nós também estamos convalescendo é que podemos oferecer-nos aos violentos, aos senhores da guerra, como ‘curadores feridos’.

Assim sendo, precisamos recuperar a ética paraclética que se apresenta hoje como feliz proposta a ser levada em conta quando estamos convencidos de que Cuidar da Vida é a única possibilidade que nos resta para a conservação e mesmo a reconstrução de nós mesmos, dos outros, da terra, nossa corpo e casa comuns.

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