ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2020

 

ELEIÇÕES MUNICIPAIS

Apontamentos para uma possível análise das eleições municipais de 2020

Por Pe. Nelito Dornelas

            Apresento uma síntese feita por especialistas sob diversos olhares convergentes.

 

1.      O que está em jogo no Brasil até 2022 não é simplesmente a disputa de lideranças e forças partidárias pelo governo. É a necessidade de conter a ação destruidora do bolsonarismo contra a democracia, as instituições, a ciência, a cultura e o meio ambiente e também de enfrentar as ameaças à saúde da população em razão do negacionismo, à segurança pública pela cumplicidade com as milícias e à economia pela irresponsabilidade política.

 

2.      Lógica da Guerra. Bolsonaro começou o governo em 2019 já em guerra aberta com as instituições e a sociedade, contando com suas redes de seguidores, simpatia de policiais e milicianos, alianças exóticas com conservadores radicais e liberais dos mercados, além do suporte de igrejas evangélicas e militares. Parecia acreditar que venceria nas múltiplas frentes que abriu simultaneamente contra o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a imprensa, artistas, professores, cientistas, ambientalistas, sindicatos, movimentos sociais e identitários e quem mais fosse considerado inimigo.

 

3.      Em 2020, porém, a resistência passou a ter efeitos. Bolsonaro esbarrou em obstáculos e teve de recuar e buscar o socorro de novas alianças. O ponto crucial foi o começo da pandemia da Covid 19. A atitude da sociedade, das instituições e da própria máquina do estado contrariou a posição negacionista de Bolsonaro. A blitz contra o Congresso, STF e imprensa foi contida graças à mobilização da sociedade e à reação das instituições. Houve recuo nos atos antidemocráticos e campanhas de fake news, que viraram caso de polícia.

 

4.      Além disso, a derrota de Trump deixou Bolsonaro mais isolado no mundo e mostrou o quanto é potente o voto democrático sustentado na mobilização da sociedade. A derrota nesta eleição é para Bolsonaro mais um episódio numa sequência de obstáculos e desgastes políticos. Além dos recuos que teve de fazer em várias frentes, Bolsonaro continuará sob pressão das instituições que seguem em alerta contra as ações antidemocráticas, as redes de fake news e o negacionismo genocida. E será cada vez mais cobrado pela destruição ambiental, pelos desastres administrativos e também pelas acusações criminais que pairam sobre seus filhos e colaboradores próximos.

 

5.      Bolsonaro também não parece ter respostas convincentes para a saída da crise social e econômica provocada pela pandemia. O desemprego alcançou o recorde de 14,6% em setembro e instituições financeiras projetam mais de 16% para o começo de 2021, mesmo considerando o aumento de contratações formais em outubro passado e a expectativa de início da vacinação contra a Covid 19. A taxa de informalidade ultrapassou 38% também em setembro. Neste cenário de vulnerabilidade social, presidente embarga a renovação do auxílio emergencial para os mais pobres com o argumento de limitações fiscais. O cenário para as pequenas e médias empresas segue ameaçador. E até agora não houve acordo no Congresso para a aprovação de matérias relacionadas ao orçamento do ano que vem.

 

6.      O resultado da eleição municipal, com a vitória de candidatos moderados e partidos de centro, parece revelar, ao menos nas grandes cidades, uma aposta na habilidade de negociação, no equilíbrio e na redução de conflitos. A vontade é de que os políticos eleitos sejam capazes de somar forças para enfrentar desafios cada vez maiores, não só a pandemia como a crise econômica e social, além da precariedade de serviços públicos comum à maioria das cidades do país.

 

7.      O voto desta vez pode ter mostrado suspeita e desencanto com relação a rupturas, a propostas radicais e a líderes e partidos que desonram seus programas e promessas. Pode ter sido dado um recado à política das agendas ocultas da esquerda tradicional e da extrema direita.

 

8.      No vácuo de Lula, dois líderes mais jovens da esquerda, Manuela D’Ávila do PCdoB, em Porto Alegre, e Guilherme Boulos do PSOL, em São Paulo, não alcançaram a vitória, mas fizeram bons resultados.

 

9.      Contagem regressiva. Do Centrão não se pode esperar que renuncie à sua natureza. Vai continuar leiloando o seu apoio circunstancial. Mas o centro político com nuances mais a esquerda ou direita, que também ficou fortalecido nesta eleição (PSDB, DEM e parte do MDB), terá a obrigação de não decepcionar o eleitor dando resposta imediata e satisfatória à população e ao mesmo tempo constituir uma frente capaz não só de enfrentar o bolsonarismo na próxima eleição mas também e primordialmente de conduzir até lá o dia a dia da gestão pública em suas cidades, das negociações no parlamento e do diálogo com a sociedade.

 

10.  De Bolsonaro também não se pode esperar que renuncie à sua natureza de pretendente ditador. Cabe, portanto, aos amigos da democracia perseverar na crítica e na mobilização para que seja contido na sua ação destruidora e recue do projeto autoritário até que seja zerada a contagem regressiva do seu governo com a derrota em 2022 ou antes disso se for encurtado o seu mandato por um impeachment caso tente ultrapassar os limites da Constituição.

 

11.  O resultado desta eleição pode ter mostrado, numa interpretação otimista, que o vírus autoritário do bolsonarismo vai produzindo seus anticorpos, a rejeição da antipolítica, do preconceito e da indiferença pelos mais vulneráveis.

 

12.  As eleições locais são muito distintas porque são introduzidos fatores de distorção que correspondem aos conflitos da pequena política local. Por outro lado, também é necessário alertar que um processo de eleição municipal em milhares de municípios, quando os números são totalizados, produz uma distorção porque há um Brasil profundo. Estamos falando de um país continental, como muito poucos no mundo. 

 

13.  O Centrão governista ganhou seis capitais e elas não estão entre as mais importantes do país: Cuiabá, Campo Grande, Manaus, Rio Branco, João Pessoa e São Luís. Mas o bolsonarismo sofreu uma dura derrota no Rio de Janeiro,  com Crivella [Republicanos]. Russomanno [Republicanos] terminou com apenas 10% dos votos em São Paulo, quando tinha iniciado a campanha em primeiro lugar. Os demais candidatos bolsonaristas em Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte também não tiveram senão um desempenho marginal.

 

14.  O PSL, partido que recebeu a verba mais volumosa do fundo eleitoral, não ganhou em nenhuma das seis cidades mais populosas do país. O Republicanos, embora seja uma sigla importante e tenha no seu interior um forte peso bolsonarista, responde essencialmente à Igreja Universal e perdeu peso no eleitorado governado: caiu de 7,1 milhões de eleitores para 5,3 milhões, vencendo em apenas três das cem maiores cidades. 

 

15.  No campo político de centro esquerda temos os seguintes resultados: PDT desde 2016 governava 334 prefeituras, agora serão 314; PSB desde 2016 governava 414 prefeituras, agora serão 253; PT desde 2016 governava 261 prefeituras, agora serão 183; PC do B desde 2016 governava 80 prefeituras, agora serão 46; REDE desde 2016 governava 5 prefeituras, agora serão 6; PSOL desde 2016 governava 2 prefeituras, agora serão 5. Número de indígenas eleitos em todo o Brasil são 150 e em Minas Gerais são 16.

 

16.  Na verdade, o bloco liderado pelo PSDB, MDB e o fortalecido DEM é uma expressão política da direita liberal. O Centrão governista venceu em seis capitais, ainda que não sejam as principais de cada região. Merece destaque o fortalecimento dos progressistas do PP e do PSD, de [Gilberto] Kassab. Republicanos e Podemos perderam espaço em termos relativos do eleitorado sob a sua gestão. Esses partidos da direita tradicional não bolsonarista obtiveram uma vitória eleitoral: venceram em 15 capitais, ganharam a maioria das principais cidades do país e venceram em São Paulo com Bruno Covas, no Rio de Janeiro com Eduardo Paes, em Belo Horizonte com [Alexandre] Kalil, em Salvador com o herdeiro do ACM Neto, em Curitiba com a reeleição de [Rafael] Greca, e venceram, finalmente, também em Porto Alegre com [Sebastião] Melo, do MDB.

 

17.  O destaque é para o DEM, que venceu quatro capitais e disputa ainda Macapá. Além disso, o partido ampliou de forma significativa a sua participação no eleitorado governado de 7,9 para 17,7 milhões de habitantes, e a receita orçamentária de 32,5 para 91 bilhões de reais. E ganhou, finalmente, em dez dos cem maiores municípios.

 

18.  O PSDB caiu em termos de prefeitura e de eleitorado governado, que passou de 34,6 milhões de habitantes para 24,8 milhões. Perdeu receita orçamentária controlada de 183,2 para 155,1 bilhões, mas obteve um resultado muito expressivo no estado de São Paulo porque venceu na capital e isso, evidentemente, tem um sentido simbólico, político e ideológico fundamental, e em quase 200 municípios no estado. Além disso, o PSDB venceu em 16 dos cem maiores centros urbanos do país. O MDB fez cinco capitais e Porto Alegre é, de longe, a mais importante, e ganhou 18 das cem maiores cidades. Mas caiu, paradoxalmente, em número de prefeituras e eleitorado governado, de 21 milhões para 18,9 milhões de habitantes.

 

19.  Desempenho do PT. Apresento alguns dados que são essenciais para entendermos o desempenho do PT. O primeiro é que o partido não elegeu prefeito em nenhuma capital pela primeira vez desde 1988. Nas grandes cidades, em relação a 2016, aumentou, subindo de quatro para sete prefeituras, dentre cem. Em números gerais, diminuiu o número de prefeituras em relação a 2016, caindo de 254 para 183, que é o pior desempenho em 16 anos. O número total de habitantes que será governado por gestões do PT aumentou: em 2016 eram 6,33 milhões e agora serão 6,45 milhões, um aumento quantitativo na margem.

 

20.  A relação política de forças no interior da esquerda mudou porque houve um avanço qualitativo da influência do PSOL e uma redução da influência do PT. Dentro do que podemos chamar do bloco da esquerda, o PT está relativamente mais fraco. Ainda é o maior partido de esquerda, mas está mais frágil e mais fraco do que nunca.

 

21.  Salto qualitativo do PSOL. O PSOL deu um salto de qualidade na sua influência e audiência política não só porque ganhou em Belém com a candidatura de Edmilson Rodrigues e porque teve mais de dois milhões de votos em São Paulo, projetando uma nova figura nacional que tem uma imensa estatura, que é Guilherme Boulos, mas porque fortaleceu qualitativamente a sua presença nas Câmaras Municipais das cidades mais importantes do país: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte. Se no Rio de Janeiro passou de cinco para seis vereadores, em São Paulo passou de dois para seis e ampliou em 50% o número total de vereadores eleitos, chegando a 88. Portanto, o PSOL muda o seu patamar dentro da esquerda e passa a ter muito mais responsabilidade, entre outras razões, porque a figura de Guilherme Boulos surge como uma referência fundamental no destino da luta para derrotar Bolsonaro.

 

22.  O PCdoB confirma uma tendência de enfraquecimento e perde o estatuto de segundo partido da esquerda, que já teve no passado, porque perdeu em número de votos, em número de prefeituras, em número de vereadores, teve um desempenho muito frágil no Maranhão; mas tem como compensação a reafirmação de Manuela D’Ávila, que chega ao segundo turno em Porto Alegre e se mantém como uma das novas lideranças de autoridade e respeito nacional em toda a esquerda. Mas se considerarmos de conjunto, a situação do PCdoB é de fragilização e tem no horizonte a ameaça da cláusula de barreira de 2022, que evidentemente é estratégica. 

 

23.  O bloco liderado por Ciro Gomes, construído fundamentalmente em torno do PDT e do PSB e de partidos menores, que se aliam ao projeto presidencial de Ciro Gomes, manteve posições, mas não avançou. Venceu em quatro capitais, todas no Nordeste: Recife, Fortaleza, Aracaju e Maceió, mas não avançou no Sudeste, no Sul ou no Norte. Em São Paulo, [Márcio] França [PSB] e, no Rio de Janeiro, Martha Rocha [PDT] sucumbiram, não abriram nenhum caminho e os seus partidos tiveram oito vitórias entre os cem maiores municípios, quando tinham alcançado 12 em 2016. Dentro desse bloco, o PSB perdeu mais prefeituras e caiu de 11,7 para 6,9 milhões de pessoas que estão em cidades sob a sua gestão. O PDT manteve o patamar das suas prefeituras e caiu de 8,4 para 7,8 milhões de pessoas que estão em cidades sob a sua gestão.

 

24.  A relação social de forças continua desfavorável e estamos numa situação reacionária, em que prevalece a unidade da classe dominante. Os capitalistas continuam numa posição de força relativa maior, mas podemos reconhecer uma inflexão na conjuntura, com um enfraquecimento relativo do governo Bolsonaro e do bolsonarismo como força política se pensarmos o período aberto no final de fevereiro e início de março com o impacto da pandemia e todos os seus desdobramentos. É nesse contexto que a representação tradicional ou da classe dominante avança, mas também ocorre uma recuperação relativa da influência da esquerda. É nesse contexto que se abrem as perspectivas para 2022. 

 

25.  Qualquer prognóstico para as eleições de 2022 seria precipitado. No Brasil é difícil fazermos previsões para o que vai acontecer nos próximos três meses, quanto mais para o que vai acontecer em dois anos. O governo Bolsonaro se revelou, até o momento, incapaz de enfrentar a ameaça sanitária mais importante que a nação vive nos últimos cem anos e já anunciou que a sua meta é a vacinação de um terço da população brasileira. Evidentemente, só existe a possibilidade de imunidade coletiva se a vacinação superar o nível de 70% de toda a população.

 

26.  De outro lado, a suspensão do auxílio emergencial e a indefinição de qual será o formato da política pública que vai substituir o Bolsa Família criam uma enorme insegurança social, porque os níveis de desemprego são os mais elevados que o Brasil conhece desde o final da ditadura. 

 

27.  As crises sanitária e social devem estar associadas também a uma crise econômica, porque é difícil vislumbrar uma recuperação dinâmica da economia se não ocorrerem grandes investimentos, que teriam de ser internacionais. É pouco provável, diante do contexto de isolamento internacional do governo Bolsonaro, que haja uma disposição dos grandes fundos capitalistas internacionais de fazer apostas de risco no Brasil.

 

28.  O ano de 2021 será um ano de grandes conflitos sociais no Brasil, especialmente por conta dos efeitos da pandemia e das incertezas acerca da política pública que irá substituir o Programa Bolsa Família. Será um ano de grandes lutas sociais, em que estará colocada para a esquerda a tarefa de liderar a oposição ao governo Bolsonaro e, portanto, a luta pelo direito à vida, à vacinação universal e obrigatória, a defesa de uma política pública de seguridade social que não poderia ser outra senão a manutenção de um auxílio emergencial enquanto estivermos sob o flagelo da pandemia. Devem se articular as lutas de resistência social. 

 

29.   Um dos papéis fundamentais da esquerda é inflamar a imaginação política da juventude, dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos movimentos LGBT, dos movimentos ambientais, do movimento sindical. A esquerda tem um lugar essencial na sociedade brasileira, que é oferecer uma alternativa à degradação que o capitalismo brasileiro está vivendo, com um governo de extrema direita que tem no centro do poder um núcleo neofascista. É uma saída democrática o impeachment da Presidência quando o governo no poder no Palácio do Planalto é uma ameaça às condições mais elementares de sobrevivência de toda a população.

Cuidar da vida em tempo de eleições Pe. Nelito Dornelas Cuidar da vida é percorrer pelos caminhos da ética e, considerando que a ética cristã tem cumprido um importante lugar na construção dos sistemas de vida ao longo da história, podemos afirmar que este cuidado com a vida tem que passar pela dimensão da ética, da espiritualidade, da ecologia, da economia e da política em profunda sintonia entre si. Podemos afirmar, sem dúvida, que a ética nasce do coração, da pessoa em sua totalidade, em todos os seus relacionamentos, pois o coração é o lugar da habitação do divino, e por isso é a residência do amor. É nele que a divindade deposita seus segredos, que nos informa sobre o bem e o mal, e é a partir dele, que estabelecemos relações com os outros, que sejam capazes de se transformarem em uma ética de responsabilidade. A responsabilidade revela o caráter ético da pessoa. Ela escuta os apelos da realidade ao seu redor, aos ditames da consciência, da divindade que o habita, do coração e o torna capaz de oferecer uma resposta qualificada, que não é uma mera resposta fácil e irrefletida, mas fruto de reflexão e investigação sobre o que é mais justo, necessário e possível, bem como o que convém ser feito em cada situação da vida, sempre para a promoção do bem comum. Responsabilidade tem a ver com a obediência à voz da consciência e ao princípio da realidade, que nasce do discernimento, da escuta, do diálogo, da valorização e do respeito a todas as formas de vida, dos sentimentos e necessidades do outro, considerando sua história pessoal e coletiva. Tornar-se uma pessoa eticamente responsável é tarefa extremamente trabalhosa e perseverante, que pressupõe tanto a humildade de acolher, quanto a coragem sincera de rejeitar as muitas ofertas enganadoras e traiçoeiras que lhes são apresentadas a todo tempo, em benefício próprio e para seu deleite pessoal, sobretudo em tempo de eleições. A responsabilidade nasce desta capacidade de resposta sincera e refletida, que se transforma em ações concretas, que sejam solidárias e fraternas com as pessoas, sobretudo os pobres e excluídos, protegendo a natureza, a vida, o meio ambiente, a Terra e a vida social de seu município, renovando a esperança e a dignidade das pessoas. Matar a esperança das pessoas e na criação divina é matar a própria vida. A responsabilidade ética supõe um compromisso sincero com a verdade, a justiça e o bem estar coletivo, o bem comum. Avancemos conscientes de que somos pedreiros, não mestres de obra. Assim afirma São Oscar Romero: De vez em quando, dar um passo atrás nos ajuda a tomar uma perspectiva melhor, o Reino não está além de nossos esforços, se não dentro, mas além de nossa visão. Durante nossa vida, só realizamos uma minúscula parte dessa magnífica empreitada que é a obra de Deus. Cada parte do que fazemos está sempre inacabada. O que significa que o Reino está sempre diante de nós. Nenhuma declaração diz tudo o que poderia dizer. Nenhuma oração pode expressar plenamente nossa fé, nenhuma confissão traz a perfeição, nenhuma visita pastoral traz a integridade. Nenhum programa realiza a missão da Igreja. Em nenhum esquema de metas e objetivos inclui o todo. Isso é o que tentamos fazer: plantamos sementes que um dia crescerão. Regamos sementes já plantadas sabendo que são promessas de futuro. Construímos bases que necessitarão um maior desenvolvimento. Os efeitos dos fermentos que proporcionamos vão além de nossas possibilidades. Não podemos fazê-lo tudo hoje, ao dar-nos conta dele, sentimos uma certa libertação. Ele nos capacita a fazer algo, e a fazê-lo muito bem. Pode ser que seja incompleto, porém, é um principio um passo no caminho, uma ocasião para que entre a graça do Senhor e faça o resto. É possível que não vejamos nunca os resultados finais, porém essa é a diferença entre o mestre de obras e o pedreiro. Somos pedreiros, não mestres de obra, ministros, não Messias. Somos profetas de um futuro que não é nosso. Amém! Nestas eleições municipais, nas quais decidiremos nosso futuro, o poeta Mário Lago tem algo a nos ensinar com seu poema: Os campos da minha terra. Os campos da minha terra têm trigo e têm algodão. Os homens pobres da minha terra não têm cobertor quando faz frio, morrem pedindo um pouco de pão. Os campos da minha terra têm gado de carne boa, têm vacas de leite bom. Os homens da minha terra sabem que o gado tem carne boa, mas custa caro, comem pirão. As crianças pobres da minha terra sabem que as vacas têm leite bom, mas custa caro, crescem doentes ou morrem fracas sem nunca terem provado se o leite é bom. Os campos da minha terra têm árvores que parecem braços que estão segurando os céus, tão grandes são. Os homens da minha terra moram em casas de barro e taipa, não têm madeira para seu teto, nem sua cama, nem sua mesa. E comem, sentam, dormem no chão. Os homens pobres da minha terra morrem de frio quando faz frio, pois não têm lenha para seu fogão. Os campos da minha terra têm rios e têm cascatas, que dão para matar a sede de todos os desertos. E energia para iluminar os quatro cantos do mundo. Os homens pobres da minha terra vivem à margem daqueles rios. Moram à beira dessas cascatas. Mas não têm luz no seu barracão. Os campos da minha terra têm tudo que os outros campos das outras terras terão. Os homens pobres da minha terra são como os pobres das outras terras – Não têm nada! Mas terão! Os que assumem a política assumem a responsabilidade com o bem comum, que só será concretizado no cuidado para com todos, mas, sobretudo, para com aqueles que não têm quem cuide deles, os pobres e o meio ambiente. Deixar de lado o cuidado é violar aquilo que há de mais sagrado na vida social, o direito a uma vida digna para todos. Votar é confiar a alguns o poder de zelar pelo que é de todos, assumindo corresponsavelmente nossa postura ética. Daí a necessidade da ética na política, que é o princípio do constrangimento, capaz de colocar limites aos impulsos egoístas que insistem em dominar e mover nossas ações. Pensando nas eleições municipais em 2020 Pe. Nelito Dornelas Este tem sido o desabafo comum de muitas pessoas: “Votar pra quê? a gente vota, muda governador, muda prefeito, muda vereador, mas parece que pouca coisa muda”. Para muitos, o ato político restringe-se à ação de votar e tornou-se apenas uma obrigação vista com certa desconfiança e descrença, haja vista o aumento exponencial de abstenções nas últimas eleições. Como formadores de opinião não podemos nos omitir neste momento. Uma boa inspiração está em Eclesiástico: “Eu sou como um canal de um rio...eis que meu canal tornou-se um rio e o meu rio tornou-se um mar” (Eclo 24,28-29). Para tanto temos que ter coragem e ousadia. O Papa Bento XVI nos alertava de que a Igreja, enquanto instituição, não assume opções partidárias, mas empenha-se na luta geral pela justiça, ajudando a purificar a razão e a formar a consciência das pessoas: “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política nem deve pôr-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta política. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá firmar-se nem prosperar” (Deus Caritas est 28). Fundamentado na Doutrina Social da Igreja podemos extrair alguns princípios orientadores para um voto consciente: 1- Neste ano de eleições municipais, as lideranças cristãs de base, de maneira especial, são chamadas a dar a razão de sua esperança (cf. 1Pd 3,15) nesse tempo de profunda crise pela qual passa o Brasil. Esta participação democrática começa no município onde cada pessoa mora e constrói sua rede de relações. Se quisermos transformar o Brasil, comecemos por transformar os municípios. As eleições são um dos caminhos para atingirmos essa meta. 2- Sonhamos e nos comprometemos com um país próspero, democrático, sem corrupção, socialmente igualitário, economicamente justo, ecologicamente sustentável, culturalmente plural, sem violência, discriminação e mentira e com oportunidades iguais para todos. Só com participação cidadã de todos os brasileiros e brasileiras é possível a realização desse sonho. 3- A política, do ponto de vista ético, é o conjunto de ações pelas quais buscamos uma forma de convivência entre indivíduos, grupos, nações que ofereçam condições para a realização do bem comum. Já do ponto de vista da organização, a política é o exercício do poder e o esforço por conquistá-lo, a fim de que seja exercido na perspectiva do serviço. 4- Os cristãos leigos e leigas não podem “abdicar da participação na política” (Christifideles Laici, 42). A eles cabe, de maneira singular, a exigência do Evangelho de construir o bem comum na perspectiva do Reino de Deus. 5- As eleições municipais têm uma atração e uma força própria pela proximidade dos candidatos com os eleitores. Se, por um lado, isso desperta mais interesse e facilita as relações, por outro, pode levar a práticas condenáveis como a compra e venda de votos, a divisão de famílias e da comunidade. 6- Dos prefeitos, no poder executivo, espera-se “conduta ética nas ações públicas, nos contratos assinados, nas relações com os demais agentes políticos e com os poderes econômicos”. Dos legisladores, os vereadores, requer-se “uma ação correta de fiscalização e legislação que não passe por uma simples presença na bancada de sustentação ou de oposição ao executivo”. 7- É fundamental considerar o passado do candidato, sua conduta moral e ética e, se já exerce algum cargo político, conhecer sua atuação na apresentação e votação de matérias e leis a favor do bem comum. A Lei da Ficha Limpa há de ser o instrumento iluminador do eleitor para barrar candidatos de ficha suja. 8- Uma boa maneira de conhecer os candidatos e suas propostas é promover debates com os concorrentes. Em muitos casos cabe propor-lhes a assinatura de carta-compromisso em relação a alguma causa relevante para a comunidade. 9- É preciso estar atento aos custos das campanhas. O gasto exorbitante, além de afrontar os mais pobres, contradiz o compromisso com a sobriedade e a simplicidade que deveria ser assumido por candidatos e partidos. Cabe aos eleitores observar as fontes de arrecadação dos candidatos, bem como sua prestação de contas. 10- A compra e venda de votos e o uso da máquina administrativa nas campanhas constituem crime eleitoral que atenta contra a honra do eleitor e contra a cidadania. 11- No discernimento dos melhores candidatos, tenha-se em conta seu compromisso com a vida, com a justiça, com a ética, com a transparência, com o fim da corrupção, além de seu testemunho na comunidade de fé. Nossa opção deve ser por aqueles que se proponham a governar a partir dos pobres, não se rendendo à lógica da economia de mercado cujo centro é o lucro e não a pessoa. 12- Após as eleições, é importante a comunidade se organizar para acompanhar os mandatos dos eleitos. É fundamental a participação nos Conselhos de Cidadania, como o da Educação, Saúde, Criança e Adolescente, Juventude, Assistência Social. Devem, igualmente, acompanhar as reuniões das Câmaras Municipais onde se votam projetos e leis para o município. Estejam atentos à elaboração e implementação de políticas públicas que atendam especialmente às populações mais vulneráveis como crianças, jovens, idosos, migrantes, indígenas, quilombolas e os pobres. 13- Confiamos que nossas comunidades saberão se organizar para tornar as eleições municipais ocasião de fortalecimento da democracia que deve ser cada vez mais representativa, participativa e direta. Nosso horizonte seja sempre a construção do bem comum. Que as eleições municipais em 2020 sejam um instrumento para que se realize o sonho do Profeta Amós: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós 5,24)

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