VIDA SACERDOTAL

 

O CUIDADO NA VIDA SACERDOTAL

A espiritualidade do cuidado na vida sacerdotal

 Pe. Nelito Dornelas 

Oração vocacional 

Senhor, que me chamas sempre, dá-me a generosidade de uma resposta sem reservas. Bate forte no meu coração que desejaria não te ouvir. Faze que eu descubra que tu me chamas à intimidade do teu amor. Torna viva e eficaz em mim a consciência de minha ligação contigo.

Senhor, sou limitado em tudo. Tive medo, transigi, hesitei, calculei, quando seria preciso dar tudo. Salva-me e das minhas angústias me liberta. Sustenta e guia meus passos para que eu possa caminhar à tua luz. Tenho necessidade da tua bondade sem fim. Desejo iniciar contigo uma amizade nova, uma amizade para a vida e para além da vida.

Que eu siga com zelo teus santos preceitos. Abra meu coração à tua lei de amor. Que eu seja no mundo um sacramento tangível de tua bondade. Faze-me amar além das palavras. Modela o meu coração segundo o teu modo de viver e de agir. Aumenta em mim os dons da tua graça, dia após dia. Que tudo em meu ser se transforme em teu louvor. Amém!

 

A espiritualidade do cuidado numa sociedade massificada 

 

Desde o início do segundo milênio, nossa Igreja sempre se apresentou como uma instituição sólida, hierarquicamente bem estruturada de alto a baixo, com limites geográficos bem definidos em dioceses e paróquias, com um governo central de poderes amplos e incontestáveis e com doutrinas e normas universais rígidas. Com todo um aparato que lhe dava uma conotação de perpetuidade, sacralidade e inquestionabilidade. 

Vivemos numa sociedade em que cada vez mais a pessoa do sacerdote tende a ir se desaparecendo, criando-lhe um problema de identidade, pois temos uma visão teológica e uma visão sociológica do sacerdócio em franco conflito.

 Para o padre Thierry, “a esse respeito, os códigos simbólicos através dos quais a sociedade se comunica são reveladores. Quando uma novela ou propaganda serve-se, num sentido positivo, da imagem do sacerdote, a apresentação mais frequente é aquela do sacerdote de 50 anos atrás, vestido de batina, numa igreja ou à sombra de uma Igreja. Isso significa que a sociedade não tem imagem para apresentar os sacerdotes hoje”. 

Mas esse não é o único problema que o sacerdote enfrenta hoje. Mesmo com a crescente perda da representatividade da imagem social do sacerdote, sabemos que, em momentos de provações, muitas pessoas procuram os sacerdotes para partilhar suas vidas.

Apesar de uma forte influência midiática, vemos aí guardada a imagem de que eles são confiáveis. De certa forma, podemos dizer, sem sombra de dúvida, que o sacerdote é ainda, não obstante todas as ambiguidades, senão o maior, um dos grandes agentes de transformação social, transformação do rebanho e de cada ovelha do Senhor.

Neste mundo em constante transformação, o sacerdote deve procurar acreditar no que faz, sabendo-se o homem da palavra, aquela de origem hebraica, o Dabar, que tem um sentido de ação criativa, que realiza o que diz. Por isso a marca de seu ministério deve ser a do cuidado. Cuidado consigo mesmo, com a pessoa de Jesus Cristo, cuidado com os fiéis, cuidado com a palavra dita e cuidado com a missão que lhe fora confiada. 

 

          Cecília Meireles 

Renova-te. Renasce em ti mesmo. Multiplica os teus olhos, para ver mais. Multiplicam-se os teus braços para semeares tudo. Destrói os olhos que tiverem visto. Cria outros, para as visões novas. Destrói os braços que tiverem semeado para se esquecerem de colher.

Sê sempre o mesmo. Sempre outro. Mas sempre alto. Sempre longe. E dentro de tudo. Perguntarão pela tua alma, a alma que é uma ternura, bondade, tristeza, amor. Mas tu mostrarás a curva do teu voo livre por entre os mundos.

Não digas onde acaba o dia. Onde começa a noite. Não fales palavras vãs. As palavras do mundo. Não digas onde começa a Terra, onde termina o céu. Não digas até onde és tu. Não digas desde onde és Deus. Não fales palavras vãs. Desfaze-te da vaidade triste de falar. Pensa, completamente silencioso, até a glória de ficar silencioso, sem pensar. 

 

O sacerdócio e a capacidade de sonhar

 

O sacerdote deve criar paixão nas pessoas, tendo ações inspiradoras, num pastoreio capaz de criar histórias lendárias numa conexão entre o humano e o divino. “Se quiser construir um navio, não reúna pessoas para providenciar madeira, preparar ferramentas, conferir tarefas e dividir o trabalho, mas ensine-lhes o desejo pelo grande mar sem fim” (Saint-Exupéry).

O cristianismo une-se à modernidade no projeto de transmitir saúde e salvação para o corpo, alma e espírito, mesmo para pessoas mergulhadas no mundo da tecnologia. A religião cristã terá credibilidade com a modernidade se souber voltar sua atenção aos cuidados com a pessoa em sua integralidade. 

O cuidado leva a integração do Self da pessoa que recebe cuidados. Não havendo a integração do Self, que seria uma fonte de saúde e bem-estar de modo geral, todos os cuidados religiosos oferecidos pelos cuidadores tendem a ter pouca eficácia. 

Mais do que nunca, hoje, as pessoas estão buscando proximidade, atenção, luzes para vencer os dramas da vida. Elas vêm buscar a fé não estão “zeradas” em seus comportamentos, nem em sua fé, mas, talvez, pouco amparadas. 

Um sacerdote não é formado apenas de técnicas, mas de um coração de pastor dedicado ao cuidado dos fiéis, guiado pela força do Espírito Santo, fazendo-se semelhante a Jesus Cristo, o supremo Pastor da humanidade, “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29) que se fez solidário, próximo de todos.  “Por isso, ele teve de assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, para se tornar um Sumo-sacerdote misericordioso e fiel em relação a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. É precisamente porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova, que pode socorrer os que são postos à prova” (Heb 2, 18).

Na homilia dirigida da quinta-feira santa no dia 28 de março de 2013, assim se dirige aos padres o Papa Francisco:

A unção não é para nos perfumar a nós mesmos, e menos ainda para que a conservemos num frasco, pois o óleo tornar-se-ia rançoso... e o coração amargo. O bom sacerdote reconhece-se pelo modo como é ungido o seu povo; temos aqui uma prova clara. Nota-se quando o nosso povo é ungido com óleo da alegria; por exemplo, quando sai da Missa com o rosto de quem recebeu uma boa notícia. 

O nosso povo gosta do Evangelho quando é pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, as periferias onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem saquear a sua fé.

As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezamos a partir das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas angústias e esperanças. E, quando sentem que, através de nós, lhes chega o perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que elas querem que chegue ao Senhor. Quando estamos nesta relação com Deus e com o seu Povo e a graça passa através de nós, então somos sacerdotes, mediadores entre Deus e os homens.

É preciso chegar a experimentar assim a nossa unção, com o seu poder e a sua eficácia redentora: nas periferias onde não falta sofrimento, há sangue derramado, há cegueira que quer ver, há prisioneiros de tantos patrões maus. 

O sacerdote, que sai pouco de si mesmo, que unge pouco – não digo nada, porque, graças a Deus, o povo nos rouba a unção –, perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de ativar a parte mais profunda do seu coração presbiteral. Quem não sai de si mesmo, em vez de ser mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A diferença é bem conhecida de todos: o intermediário e o gestor já receberam a sua recompensa.

É que, não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres tristes, e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com o “cheiro das ovelhas”. Isto vos peço: sede pastores com o cheiro das ovelhas.

É verdade que a chamada crise de identidade sacerdotal nos ameaça a todos e vem juntar-se a uma crise de civilização; mas, se soubermos quebrar a sua onda, poderemos fazer-nos ao largo no nome do Senhor e lançar as redes. 

É um bem que a própria realidade nos faça ir para onde, aquilo que somos por graça, apareça claramente como pura graça, ou seja, para este mar que é o mundo atual onde vale só a unção – não a função – e se revelam fecundas unicamente as redes lançadas no nome d’Aquele em quem pusemos a nossa confiança: Jesus. 

Amados sacerdotes, Deus Pai renove em nós o Espírito de Santidade com que fomos ungidos, o renove no nosso coração de tal modo que a unção chegue a todos, mesmo nas periferias onde o nosso povo fiel mais a aguarda e aprecia. 

Que o nosso povo sinta que somos discípulos do Senhor, sinta que estamos revestidos com os seus nomes e não procuramos outra identidade; e que ele possa receber, através das nossas palavras e obras, este óleo da alegria que nos veio trazer Jesus, o Ungido.  

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