ESPERANÇA: VIRTUDE IMORTAL?

 

Esperança, virtude imortal, apesar de tudo!

Pe. Nelito Dornelas

Desde a antiguidade grega, estabeleceu-se o debate sobre os vícios e as virtudes. Porque existem pessoas fracas de caráter e pessoas virtuosas? Aquelas que não se deixam vencer e ser levadas pelas ondas, mas permanecem convictas em seus princípios e inabaláveis em seu caráter?

Deste debate participaram Sócrates, Aristóteles e Platão. Do caldo destas discussões emergiram a consciência de que a virtude é uma disposição adquirida de fazer o bem, portanto, algo aprendido e construído. Ela é o próprio bem, em espírito e em verdade a ser buscado e querido. Não o Bem absoluto, não o Bem em si, que bastaria conhecê-lo ou aplicá-lo, pois o bem não é para ser contemplado, é para ser feito. A virtude é o esforço para se portar bem, é o próprio esforço em praticá-lo. É uma força que age em nós e que pode agir se assim o permitirmos.

Os gregos já faziam a distinção da virtude, considerando a natureza de cada ser. Assim distinguiam a virtude de uma planta, de um remédio, de uma ferramenta, de um ser humano, de um animal, classificando-os de virtuosos, caso cumprissem bem sua missão, seu poder específico e vivessem de acordo com as leis próprias de cada natureza.

A virtude e as virtudes foram assumidas como os nossos valores morais encarnados e vividos em atos e atitudes, adquiridos pela educação. Elas são sempre percebidas no singular, como cada um de nós, e sempre plurais, como as fraquezas que elas combatem ou corrigem em nós para o bem comum, o bem da sociedade.

Trazendo este debate para a sociedade brasileira, podemos nos servir de um outro conceito filosófico elaborado por Durkheim, que é a anomia.

A anomia é a manifestação de desregramento que torna precária a vida em comum, corta laços sociais e empurra a sociedade para o imprevisível. Durkheim preocupa-se com a coesão social, a necessidade de um pacto que se manifeste em regras comuns para o convívio social.

As razões da crescente anomia na sociedade brasileira são complexas. A coesão social ou a sua ausência é resultado da tensão entre a solidariedade e a anomia.

A solidariedade interna da sociedade orgânica funda-se, sobretudo, numa ordem social que leve justiça social a todos os seus membros, sem excluir ninguém.

Durkheim considera aceitável manifestações de anomia, desde que não excedam determinados limites e ameacem a vida em comum na sociedade. Quando a ausência de regras e de normas excede ao limite do aceitável, ele classifica tal anomia como patologia coletiva, esquizofrenia social.

Durkheim jamais aceitaria a tese de ‘justiça pelas próprias mãos’. Pelo contrário, é defensor da ‘nomia’ - sufixo grego que exprime normas, regras e leis – sustentadas pelo Estado.

Aqui está a questão central neste debate: a sociedade brasileira dá sinais de anomia. Isto é muito perigoso. Está patológica, pois as reincidentes manifestações de barbárie se apresentam acima do normal e, pior, são consideradas e assimiladas como normais, justificáveis e até tidas como necessárias. Não dá pra continuar assim!

Para contribuir neste debate, apresento o texto de Elisa Lucinda, Só de sacanagem, que muito nos ajuda nesses tempos tão sombrios de nossa sociedade.

Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo duramente para educar os meninos mais pobres que eu, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", " Esse apontador não é seu, minha filhinha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.

Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. Só de sacanagem!

Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba" e eu vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.

Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? IMORTAL!

Sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dá para mudar o final!

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