DESAFIAR A ESPERANÇA
Desafiar a Esperança
Pe. Nelito Dornelas
Os sentimentos que têm habitado o coração de muita gente nestes últimos tempos são de desolação, descuidado e desproteção.
A imagem é de uma embarcação em naufrágio. E os tripulantes querem sobreviver e buscam se salvar a todo custo. Há os querem salvar-se individualmente ou buscam um salvador forte e há os que, mesmo correndo todos os riscos no mesmo barco, se preocupam com os outros, sobretudo com os mais fragilizados e faz de tudo para que se salvem juntos.Esse tempo presente é o lugar de construção para o futuro que insiste teimosamente em despontar em algum horizonte.
Já nos advertia o teólogo Johann Baptist Metz que hoje não necessitamos de grandes profetas, mas de pequenos profetas e profetisas que vivam com simplicidade, sem ruído e sem integralismos, a radicalidade e o paradoxo do evangelho na vida cotidiana.
E o Papa Francisco vem nos alertando e apontando caminhos e saídas desse naufrágio que quer a todos sucumbir:
O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado (EG 2)
E Jesus nos garante: passarão o céu e a terra mais a minha palavra não passará (Mt 24, 35).
E novamente vem o Papa Francisco reafirmar que a Palavra possui, em si mesma, uma tal potencialidade, que não a podemos prever. O Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando o agricultor dorme (cf. Mc 4,26-29). A Igreja deve aceitar esta liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas. (EG 22)
De fato, a palavra é geradora de mundos, como bem a classificava Paulo Freire, denominando-a de palavração, pois não há palavra inerte ou neutra. Há sim uma palavra dita, não dita, bendita, maldita ou que interdita.
Nossa palavra pode ser um instrumento de edificação das pessoas, de consolo, de animação, de reconciliação e de paz, assim como pode ser uma arma perigosa que semeia discórdia, causa intriga, deprime e destrói a vida e a esperança nas pessoas.
Nestes tempos de ensaio de um outro mundo possível, soam como profecia as palavras de Juan Manuel Martín Moreno:
Viver é despertar cantando com esperança; viver é receber com esperança a luz do dia; viver é gozar da serenidade da tarde; viver é estar livre de angústias e preocupações; viver é ter saúde e respirar sem impedimentos; viver é amar e ser amado; viver é enfrentar sem medo o dia de amanhã; viver é comer com prazer o pão de cada dia, ganho com trabalho humano; viver é ter a consciência em paz quando chega a noite; viver é poder dormir sem sobressaltos nem pesadelos; viver é comunicar-se e poder expressar-se; viver é ser capaz de comprometer-se e ter a esperança como uma vocação; viver é ser livre e não estar atado por nenhum tipo de correntes; viver é poder dar sentido à própria existência; viver é possuir-se e poder se entregar.
Viver e não ter vergonha de ser feliz. E cantar, e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz (Gonzaguinha).