DIREITOS HUMANOS: 04

 

A narrativa bíblica sobre os direitos humanos

Pe. Nelito Dornelas

 

Após o relato mítico da transgressão das primeiras criaturas humanas, Adão e Eva, a Bíblia nos apresenta a história de Caim e Abel, símbolo de todas as agressões e violações contra a vida do outro. Javé protesta e cobra respeito aos direitos humanos do inocente Abel, dizendo a Caim: Que fizeste!

O sangue de teu irmão clama por mim desde a terra (Gênesis 4,10). Mas, curiosamente, Javé se importa também com os direitos humanos do culpado Caim; proíbe que se devolva a ele a mesma agressão: E Javé colocou um sinal sobre Caim, afim de que ele não fosse morto por quem o encontrasse (Gênesis 4,15).

No livro do Êxodo, lá está Javé outra vez, aliado dos escravos hebreus que buscam seu direito de viver em liberdade. Em toda a narrativa bíblica aparece um Deus que “mede” a fidelidade do povo à Aliança estabelecida pelo tratamento dado aos direitos humanos de um trio especialmente abandonado naquela época cujos direitos são os mais negados: o migrante, o órfão e a viúva.

Outra preocupação que se destaca na narrativa bíblica é a igualdade de tratamento para ricos e pobres diante dos juízes. Sei como são numerosos os seus crimes e graves os seus pecados: exploram o justo, aceitam subornos e enganam os necessitados no tribunal (Amós 5,12).

O Deus bíblico leva tão a sério a defesa dos direitos humanos que manda embora quem aparece no templo para fazer orações e oferecer sacrifícios sem mostrar respeito pelo direito dos irmãos. Quando estendeis vossas mãos, eu desvio de vós os meus olhos: quando multiplicais vossas preces, não as ouço. Vossas mãos estão cheias de sangue; lavai-vos, purificai-vos. Tirai vossas más ações de diante dos meus olhos. Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem; respeitai o direito, protegei o oprimido; fazei justiça ao órfão, defendei a viúva (Isaías 1,15-17).

Em Jesus de Nazaré, o amor por ele exortado ultrapassa, evidentemente o que chamamos de respeito e promoção de direitos humanos. Mas esse respeito é um mínimo indispensável para uma vida humanamente equilibrada. Jesus estará, para surpresa de alguns religiosos do seu tempo, ao lado dos sofredores e desprezados. Mais ainda: fará deles anunciadores da Boa Notícia que ele veio trazer e os escolhidos e privilegiados no que ele denominou Reino de Deus. 

A justiça, ensina Jesus, deve ir além do que dizem as leis, a generosidade não deve limitar-se ao que é legalmente exigido. A postura de respeito ao outro transcende a qualquer lei e obrigatoriedade. É um gesto altruísta. Para Jesus, o serviço em benefício ao outro não está separado do amor e louvor a Deus, como bem o entenderam as primeiras comunidades cristãs. Queridos, amemo-nos uns aos outros porque o amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conheceu a Deus porque Deus é amor (1 João 4,7-8).

O Papa Paulo VI dizia que para conhecer a Deus é necessário conhecer a humanidade; o templo de Deus é a história humana e encontramos a Deus em nossos encontros humanos.

Nesta mesma linha de pensamento o teólogo Gustavo Gutierrez afirma que todo indivíduo nos oferece a sorte grande: nosso encontro com esse Deus que está no fundo, no mais íntimo de cada ser humano.

E o Papa Francisco em suas catequeses sobre as necessidades e os sofrimentos das pessoas neste tempo de pandemia provocada pelo coronavirus tem nos desafiado a todos, desde os mais influentes aos mais humildes, a ousar fazer o bem, e fazer melhor. Nós podemos! Temos de o fazer! Encorajo todas as pessoas que detêm responsabilidades políticas a trabalhar ativamente em prol do bem comum, aos países que partilhem, de fato, informações, conhecimentos e recursos, bem como aos que têm autoridade, aos privilegiados que pertencem a uma pequena parte da humanidade que avançou, enquanto a maioria ficou para trás, aos que têm responsabilidade nos conflitos e aos que detêm o poder econômico. 

Minha gratidão e afeto aos quantos trabalham assiduamente para garantir os serviços essenciais necessários à convivência civil, aos muitos que normalmente são mantidos em silêncio e invisíveis, como as organizações de base da economia informal ou popular. A nossa civilização precisa de Misericórdia, como uma nova chama, pois o egoísmo é um vírus ainda pior.

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