POESIA COMO PROFECIA
Poesia como profecia
Pe. Nelito Dornelas
Neste tempo de reflexão e meditação sobre a paixão de Cristo, faz-nos bem visitar a obra de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, que é um dos mais autênticos e original representante da cultura popular nordestina.
Nascido em uma família de agricultores pobres, em Assaré, no Ceará, dedicou sua vida à produção de cultura popular, onde o povo marginalizado e oprimido do sertão nordestino sempre foi o personagem principal.Patativa do Assaré se autodeclarava poeta/profeta por inspiração divina. É considerado um agente do sagrado por fazer da poesia uma ferramenta de libertação integral, como um dom especial de Deus. As palavras que o acompanham são: verdade, justiça e liberdade.
Para ele, a poesia é a ponte que nos liga ao sagrado, quando todas as outras pontes se encontram quebradas. A poesia é asa que nos ensina a voar, quando nossos pés não conseguem mais se apoiarem em nenhum chão. É o voo belo e gracioso que nos permite enxergar além. Sua voz é suave como uma brisa e temida como um trovão.
Sua obra é expressão da Palavra encarnada que se faz poesia. É uma carta de amor aos pobres e à natureza com tudo que nela há de sagrado. É um artesão da palavra que aprendeu a decifrar o código da vida e a defendê-la com toda garra. Com a firmeza de seus escritos expressava o profundo amor que o movia.
Guardião da cultura popular, germinada e vivida por dentro, faz-se porta voz dos excluídos e os convida a lutarem por mudanças sociais e políticas, descolonizando a cultura do opressor.
Porque sua poesia brotou do chão e da pele da vida vivida, do sonho e do suor derramado no chão árido do nordeste, sua obra é universal, pois sua linguagem é a do sentimento, tendo como horizonte as pessoas e a criação divina libertas.
Eu venho dêrne menino/dêrne munto pequenino/ cumprindo o belo destino/ que me deu Nosso Senhô/ Eu nasci pra sê vaqueiro/ sou o mais feliz brasileiro/ eu não invejo dinheiro nem diproma de dotô.
Eu nasci ouvindo cantos das aves de minha terra
E vendo os lindos encantos que a mata bonita encerra
Foi ali que eu fui crescendo, fui lendo e fui aprendendo
No livro da Natureza onde Deus é mais visível
O coração mais sensível e a vida tem mais pureza.
Sem poder fazer escolhas de livro artificial
Estudei nas lindas folhas do meu livro natural
E assim longe da cidade, lendo nesta faculdade
Que tem todos os sinais, com estes estudos meus
Aprendi amar a Deus
De noite, tu vives na tua palhoça/ De dia na roça, de enxada na mão
Julgando que Deus é um pai vingativo/ Não vês o motivo da tua opressão
Tu pensas amigo que a vida que levas/ De dores e trevas, debaixo da cruz
E as crises cortantes quais finas espadas/ São penas mandadas por Nosso Jesus
Tu és, nesta vida, um fiel penitente/ Um pobre inocente no banco do réu
Caboclo, não guardes contigo esta crença/ A tua sentença não parte do céu
O Mestre Divino, que é Sábio Profundo/ Não fez, neste mundo, o teu fado infeliz
As tuas desgraças, com tuas desordens/ Não nascem das ordens do Eterno Juiz
Deus é a força infinita é o espírito sagrado
que tá vivendo e parpita em tudo que foi criado.
Não há quem possa contá é assunto que não dá
pra se dizê no papé não existe professô
nem sábio, nem iscritô pra sabê Deus cuma é
Apenas se tem certeza que ele é a santa verdade
é a subrime grandeza em bondade e divindade
Que estas sabias palavras fecundem o chão árido de nossa esperança e façam brotam a forca viva que nasce da ressurreição. Feliz Páscoa!