DIREITOS HUMANOS-03
Direitos humanos e os avanços da consciência da humanidade
Pe. Nelito Dornelas
Na primeira metade do século XX, duas grandes guerras abalaram o mundo, com a violação sistemática dos direitos humanos nos campos de concentração, na violência contra os civis e na quebra dos acordos de paz, gerando uma construtiva indignação na opinião pública.
Em 1948, a ONU (Organização das Nações Unidas) proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a OEA (Organização dos Estados Americanos) aprovou uma Declaração dos Direitos e Deveres do Homem como forma de colocar um ponto final nestes abusos.
Em 1946 as Igrejas Protestantes criaram o CMI (Conselho Mundial de Igrejas Cristãs), numa perspectiva profundamente humanista e libertária, cuja existência ao longo de oito décadas foi marcada por uma presença solidária e de efetivo apoio humano e financeiro às justas reivindicações dos movimentos sociais e eclesiais em defesa e promoção dos direitos humanos.
A Igreja Católica acolheu todas estas iniciativas e as interpretou como “sinais dos tempos” modernos e apelos concretos de amor ao próximo. Em Assembleia Conciliar, reunindo dois mil bispos no Vaticano (1962-1965), a Igreja declarou sua decisão de se abrir ao mundo moderno, acolhendo a nova consciência da humanidade, na promoção e defesa dos direitos humanos como a missão mais importante e o campo de diálogo mais promissor com as demais Igrejas cristãs, com as outras religiões e com todos os que promovem e desejam um mundo melhor, pautado pelo respeito ao outro em sua sagrada inviolabilidade humana.
A consciência dos direitos humanos tem a ver com o momento histórico no qual cada povo vive. A percepção dos direitos humanos nasce de lutas concretas por liberdade, no confronto com os poderes estabelecidos e as novas forças emergentes. Esses direitos não são todos percebidos ao mesmo tempo. A formação da consciência depende também da maneira como a pessoa foi educada e a posição social que ocupa.
Para a cultura judaico-cristã, os direitos humanos brotam da dignidade da pessoa. Essa dignidade tem a ver com o fato de sermos, todos, criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1, 26).
Esta afirmação bíblica é a fonte do humanismo judaico-cristão e a razão de garantia dos direitos humanos invioláveis. Ao afirmar que o ser humano é criado “à imagem e semelhança de Deus” significa que cada pessoa tem algo de específico como que as digitais de um ser transcendente e inominável ao qual cada religião lhe dá o nome que melhor lhe aprouver, mas é sempre o absoluto, o transcendente, o luminoso, o sagrado imanente em cada criatura.
Contemplando a maravilha do universo, o escritor judeu destaca a beleza da pessoa e exclama:
Quem é o homem para que nele penses, e o ser humano, para que dele se ocupes? Quase um deus o fizeste: tu o coroas de glória e esplendor (Salmo 8). Confesso que eu sou uma verdadeira maravilha, tuas obras são prodigiosas (Salmo 139).
Certamente, refletindo sobre a maravilha da natureza e sobre o amor a todos os excluídos e marginalizados no tempo de Jesus de Nazaré que os acolhe e por eles enfrenta a hostilidade dos poderes constituídos que levou Santa Brígida a escrever: Gostaria de dar um grande gole de cerveja ao Rei dos reis. Gostaria que os anjos do céu bebessem eternidade afora, que houvesse carnes excelentes de fé da mais pura devoção, barris de paz, tonéis de amor, adegas de misericórdia. Gostaria que a bebida estivesse em suas alegrias. Queria que Jesus estivesse entre eles. Queria que o povo do céu, os pobres, se juntassem a nós de todos os cantos do mundo. É isso o que eu queria. Fomos transformados em amigos. Estamos aqui para agir mutuamente como amigos.
Dom Hélder Câmara traduz a luta pelos direitos humanos como uma grande liturgia: Pelo amor de Deus, respondam. Onde estão as crianças para contar-me seus brinquedos/ E os poetas para contar-me seus sonhos/ E os loucos para contar-me seus delírios/ E os enfermos para contar-me seus sofrimentos/ E os felizes e infelizes/ Os santos e os pecadores, as crianças e os velhos/ Os mortos e os vivos, os crentes e os descrentes/ Os homens e os anjos, os animais e as plantas/ As criaturas todas de todos os mundos?/ Ai de mim se subir sozinho ao altar de Deus!