IGREJA E MINERAÇÃO

 

Igreja e Mineração 1: por uma conversão ecológica e pastoral-

Pe. Nelito Dornelas

A Igreja Católica está deparando-se cada vez mais com a gravidade dos impactos da mineração, ferida profunda no seio da terra e das comunidades e expressão da “única e complexa crise socioambiental” (LS 139).

Ela tem acompanhado com preocupação e solicitude pastoral a atuação das empresas de mineração no Brasil, na América Latina, na África e na Ásia. E tem constatado os grandes impactos e graves danos socioambientais, muitas vezes irreversíveis nos ecossistemas, nas comunidades do entorno das áreas exploradas, além das denúncias dos inúmeros casos de violações dos direitos humanos e da natureza, com graves riscos para as gerações atuais e futuras. 

Nos dias de 17 a 19 de julho de 2015, realizou-se em Roma o encontro de representantes de comunidades atingidas por atividades mineradoras, organizado pelo Pontifício Conselho de Justiça e Paz (PCJP) em colaboração com a rede latino-americana Iglesias y Minería, com o tema “Unidos a Deus escutamos um grito”.

Participaram lideranças de 18 países: Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Honduras, Guatemala, El Salvador, República Dominicana, México, Estados Unidos, Canada, Suíça, Itália, Moçambique, Ghana, República Democrática do Congo, Índia e Filipinas.

Constatou-se naquele encontro que as mineradoras vêm provocando deslocamento de populações, migração forçada e aumento de enfermidades e doenças psíquicas, causando enorme prejuízo na organização sociocultural e espiritual de muitos povos.

Tendo como fundamento a doutrina social da Igreja e sua atualização pela encíclica Laudato Si, sobre o cuidado com a casa comum, do Papa Francisco, de 2015, diversos organismos da Igreja têm se posicionado criticamente sobre a atividade das grandes mineradoras.

A linha seguida por estes pronunciamentos da Igreja tem sido este apontado pelo Papa Francisco: “O custo dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que o benefício econômico que se possa obter”... “Por isso, não podemos ser testemunhas mudas das gravíssimas desigualdades, quando se pretende obter benefícios significativos, fazendo pagar ao resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos custos da degradação ambiental” (Papa Francisco, Laudato Si, 36).

Os grupos mais impactados pela exploração mineral são as comunidades pobres, os pequenos agricultores, as populações tradicionais, os indígenas e quilombolas, e, em muitas ocasiões, nem sequer podem reivindicar seus direitos, pois os protestos contra estes projetos são criminalizados e muitas vezes violentamente reprimidos.

Em toda a América Latina, as Igrejas buscam contribuir com a luta pela defesa de comunidades e territórios trabalhando em conjunto com leigos/as, religiosos/as e movimentos sociais que atuam nas regiões exploradas.

Atualmente, são registrados no continente Latino Americano mais de 211 conflitos, provocados pela mineração, com graves violações dos direitos humanos, além de impactos irreversíveis nos ecossistemas onde ocorre a exploração.

Papa Francisco, em sua carta aos participantes do encontro, descreveu o contexto dos conflitos provocados pelas atividades mineradoras com extrema lucidez e empatia: 

Quiseram se reunir (...) para ecoar o grito das numerosas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente por causa das consequências, muitas vezes negativas, das atividades mineradoras. Um grito pela extração de riquezas do solo que paradoxalmente não produziu riquezas para as populações locais que permanecem pobres; um grito de dor em reação às violências, ameaças e corrupção; um grito de indignação e ajuda pelas violações de direitos humanos, discreta ou descaradamente pisados pelo que se refere à saúde das populações, às condições de trabalho, por vezes à escravidão e ao tráfico de pessoas que alimentam o trágico fenômeno da prostituição; um grito de tristeza e impotência pela poluição das águas, do ar e dos solos; um grito de incompreensão pela ausência de processos inclusivos e de apoio por parte das autoridades civis, locais e nacionais, que têm o dever de promover o bem comum.

O crime sócio ambiental da Mineradora Vale em Brumadinho – MG reascendeu este debate. Que este seja o último. Que aprendamos a lição e façamos nosso dever de casa.

 

Igreja e mineração- 2

Pe. Nelito Dornelas

A Igreja latino americana vem desenvolvendo uma teologia contextualizada, desde a 2ª Conferência do CELAM, em Medellín (1968). Incorporamos, assim, em nossa tradição cultural uma vasta literatura teológica, que muito tem contribuído com a pastoral, a liturgia, a catequese, a espiritualidade, a evangelização e a missão. 

Hoje falamos de teologia da terra, da água, da enxada, da criação, teologia negra, indígena, feminista e muitas outras expressões teológicas com cheiro e sabor da vida concreta do povo. Recordo-me aqui do depoimento de um romeiro do Padre Cícero, recolhido pela Irmã Anete: 

“Nós romeiros também escrevemos, só que é com os pés. Quem quiser ler o que escrevemos tem que colocar os pés onde estão os nossos. Quem permanece com os pés limpinhos nunca vão entender nossa escrita”.

Diante dos acontecimentos catastróficos e apocalípticos ocorridos em Minas Gerais nestes últimos tempos, torna-se oportuna uma reflexão teológica sobre Igreja e mineração, como um convite a sujar de lama nossos pés.

Para inicio de conversa sobre a questão, convido-lhe a visitar as páginas da bíblia em Deuteronômio 8,7-14; 8,19; 29,21-23. Neste texto sagrado há uma descrição minuciosa sobre a terra prometida. Deus mesmo garante que o seu povo vai encontrar uma terra boa e com muita água. Terra boa para agricultura e até para a mineração. E Deus mesmo estabelece um limite para a sua exploração, mediante normas de conduta, que garantam o bem comum, protejam as pessoas e a natureza. Quando estas regras são descumpridas vem a maldição (29,21-23). Vejamos o texto:

Olhe! Javé seu Deus vai introduzir você numa terra boa: terra cheia de ribeirões de água e de fontes profundas que jorram no vale e na montanha; terra de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras, terra de oliveiras, de azeite e de mel; terra onde você comerá pão sem escassez, pois nela nada lhe faltará; terra cujas pedras são de ferro, e de cujas montanhas você extrairá o cobre. Quando você comer e ficar satisfeito, bendiga a Javé seu Deus pela boa terra que lhe deu.

Contudo, preste atenção a si mesmo, para não se esquecer de Javé seu Deus e não deixar de cumprir seus mandamentos, normas e estatutos, que hoje eu ordeno a você.  Não aconteça que, tendo comido e estando satisfeito, havendo construído casas boas e habitando nelas, tendo se multiplicado seus bois e aumentado suas ovelhas, e multiplicando-se também sua prata e seu ouro e tudo o que você possui, não aconteça que seu coração fique cheio de orgulho, e você se esqueça de Javé seu Deus, que o tirou do Egito, da casa da escravidão; que conduziu você através daquele grande e terrível deserto, cheio de serpentes venenosas, escorpiões e sede; que fez jorrar para você água da mais dura pedra, onde não havia água; que sustentava  você no deserto com o maná, que seus antepassados não conheceram: tudo isso para humilhar e provar você, a fim de lhe fazer o bem no futuro”.

Diante da Palavra de Deus, de sua promessa e de suas advertências, entendemos que neste momento histórico, somos desafiados a assumir uma responsabilidade critica e propositiva sobre as atividades mineradoras em nossa região e em nosso planeta. A Igreja em nosso continente criou a rede Igreja e mineração com o propósito de fortalecer o enfrentamento desta questão. 

Somos responsáveis por entregar às gerações futuras um mundo melhor do que este que recebemos. Temos conhecimentos e condições suficientes para reorganizar a vida em sociedade para além do materialismo individualista e consumista, que quer a todos devorar.

Vamos colocar nossos pés onde estão os pés daqueles que peregrinam neste chão, com a cabeça erguida em busca de novos horizontes.

 

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