REPENSANDO O CREDO
Repensando o credo
Pe. Nelito Dornelas
Nunca foi fácil conceituar e expressar com clareza o significado da fé cristã. Cada geração foi desafiada a dar as “razões de sua esperança” (1 Pd 3,15) à sociedade na qual as comunidades cristãs estão mergulhadas. Como Jesus de Nazaré é, ao mesmo tempo, um ser histórico e contemporâneo, assim também é o credo cristão.
O teólogo Jon Sobrino afirma que “o cristianismo é o movimento histórico que carrega a fé em Jesus Cristo, que a cristologia explicita. E a cristologia aprofunda a fé que impulsiona historicamente o cristianismo em meio às contingências humanas... Na situação atual as diversas igrejas se confrontam com a mesma tarefa, a não ser que se conformem com a repetição das fórmulas dogmáticas, atitude apenas na aparência mais ortodoxa... O fato de o dogma ter colocado limites claros à direção do desenvolvimento da cristologia não suprime, em absoluto, o esforço de cada comunidade em tornar concreto, quer dizer, real, o significado universal de Cristo expresso no dogma”.
Para quem se dispõe a viver a fé cristã, na fidelidade a Jesus, faz bem refletir sobre este pensamento testemunho de João Batista Libânio: “Eu sonho com um outro credo que se apoiaria, não sobre as definições dogmáticas, mas no exemplo do pai do ‘filho pródigo’, no salário da décima primeira hora, no perdão à mulher adúltera. Esse credo não apelaria por uma adesão verbal e ‘intelectual’; ele suscitaria uma atração humana e uma intensa simpatia. O ‘Verbo Encarnado’ não tem mais nenhum impacto sobre nossos espíritos, mas a voz que indica o cuidado das crianças, que promete a felicidade aos humildes e que coloca o amor acima de todos os valores, sempre será escutada por todos os homens e mulheres e em todos os tempos. Este será um credo concreto. Ele emana dos evangelhos sinóticos... O seu excesso de humanidade, de bondade, de misericórdia manifestou-se em relação aos pecadores e pobres. Viveu entre eles. Fez-se pobre com os pobres. Com esse comportamento chocou os ‘bem pensantes’ da sociedade, a ponto de chamá-lo de endemoninhado (cf. Mc 3,22)”.
É na tentativa de colaborar com este “novo credo” que o Documento de Aparecida (CELAM 2007) ao abordar sobre a opção pelos pobres afirma que “Se essa opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos missionários, são chamados a contemplar, nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto de Cristo que nos chama a servi-lo neles: ‘Os rostos sofredores dos pobres são os rostos sofredores de Cristo” (DAp, 393).
No dizer de Jean Onimus, deve-se “recolocar Jesus em primeiro lugar, vê-lo viver; ouvir, enquanto ainda for possível, o tom de sua palavra, suas cóleras, suas impaciências, mas também seus momentos de afeição e de piedade... Não mais um Deus visitando a terra, mas um ser totalmente humano que vem nos revelar – exatamente por ser humano – o que há de totalmente-outro no fundo de nós, o que há, talvez, efetivamente de divino”.
Edward Schillebeeckx afirma que “Deus se revelou em Jesus, conforme a concepção cristã, valendo-se do não-divino do seu ser-homem... Jesus partilhou conosco na cruz da fragilidade de nosso mundo. Mas este fato significa que em sua absoluta liberdade e antes de todo tempo, Deus determina quem e como quer ser no seu ser mais profundo, a saber, um Deus dos homens, companheiro de aliança em nosso sofrer e em nossa absurdidade, e companheiro de aliança também no que realizamos de bem. Ele é, em seu próprio ser, um Deus por nós”.
São Boaventura nos adverte para que “Ninguém creia que lhe baste a leitura sem a unção, a especulação sem a devoção, a investigação sem a admiração, a atenção sem a alegria, a atividade sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça divina, a pesquisa humana sem a sabedoria inspirada por Deus”.
Que todo nosso esforço de tornar Jesus nosso contemporâneo, seja acompanhado de uma verdadeira experiência com a pessoa de Jesus, lembrando sempre que experiência é uma palavra composta: ex-peri-encia. Ex é sair de, peri é dar uma volta no entorno de, encia é a aquisição da ciência, do dom da sabedoria. E cada experiência impulsiona a outras e mais outras numa perspectiva dialética. Não tenhamos medo de nos lançarmos na experiência da fé, “para que o mundo creia” (Jo 17, 21).