REDESCOBRIR A SI MESMO
Redescobrir a si mesmo em tempos de recolhimento e crise
Pe. Nelito Dornelas
Certa ocasião ouvi do Plínio Arruda Sampaio uma história que muito me marcou. Posteriormente me foram apresentadas outras versões interessantes da mesma. Neste artigo vou reproduzir aquela que ouvi originalmente.
Conta-se que uma congregação religiosa europeia resolveu abrir uma comunidade religiosa em um país da África. Tudo pronto. Início da empreitada. Por meio de intérpretes, o superior conseguiu autorização do líder tribal local para a instalação da referida comunidade religiosa no interior de sua tribo.
Nas negociações realizadas, o superior religioso conseguiu também autorização do líder tribal para levar um de seus filhos para estudar na Europa. Tudo pronto, acordos selados e uma nova realidade totalmente desconhecida para ambas as partes.
Ao chegar na Europa, o jovem africano contraiu um vírus que o debilitou completamente. Fracassadas todas as tentativas para contê-lo, o religioso temeu pela morte do jovem bem como as consequências desta possível morte para a vida dos missionários que lá ficaram.
O superior religioso decidiu voltar à África e buscar o líder tribal para ver pessoalmente o seu filho e os cuidados que lhe eram dispensados para sanar qualquer dúvida.
Novamente, por meio de interprete, o líder tribal foi convencido de sair de sua tribo e ir ao encontro de seu filho. Esta seria uma viagem muito estranha para quem conhecia somente sua aldeia.
Começaram a viagem de carro por estradas inadequadas até ao aeroporto mais próximo. Depois de algum tempo de viagem, o líder tribal pediu para que parassem o carro diante de uma árvore. Ele desceu e foi ao encontro daquela árvore à qual se agarrou, apoiando todo seu corpo. Após um certo tempo de espera e de desespero dos membros daquela expedição, chegaram até o líder tribal para solicitar-lhe a continuidade da viagem. Ao que ele respondeu: andamos muito rápido e eu perdi a minha alma. Estou aqui aguardando até que ela volte. Só prosseguirei a viagem quando a minha alma chegar ao meu corpo.
Talvez seja isto que esteja acontecendo com a humanidade. Corremos muito e perdemos nossa alma! A globalização da indiferença pode ter sido a que produziu esta pandemia do corona vírus. Temos que nos desacelerar. A Santa Madre Tereza de Calcutá denunciava o pecado da indiferença como o responsável por mais mortes no mundo do que as guerras. É a indiferença que permitiu a construção do sistema de mundialização e acumulação capitalista que gerou esta pandemia.
Está na hora de aplicarmos o princípio apontado pelo Pe. Antony de Mello: nunca compreenderão os outros aqueles que não tenham escutado a si mesmos; nem a verdade dos outros poderá ver quem não tenha explorado a si mesmo.
Temos que fazer como as águias que possuem a maior longevidade da espécie, chegando a viver setenta anos. Mas, para chegar a essa idade, aos quarenta anos elas têm que tomar uma séria e difícil decisão. Neste período, suas unhas estão compridas e flexíveis, por isso não conseguem mais agarrar as presas das quais se alimentam. Os bicos alongados e pontiagudos estão curvos, apontando contra o peito. As asas estão envelhecidas e pesadas por causa da espessura das penas, e voar é quase impossível.
Nesse momento, a águia só tem duas alternativas: morrer ou enfrentar um doloroso processo de renovação que terá duração de cento e cinquenta dias. Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão onde ela não necessite voar. Ao encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até arrancá-lo com grande dor.
Então ela espera nascer um novo bico, com o qual arrancará suas unhas velhas. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses sai para o famoso voo de renovação e mais trinta anos de vida.
Quando não se pode modificar o destino, é preciso assumir uma atitude positiva diante dele. É o que se chama de valor de atitude. Como dizia Victor Frankl: o que realmente importa é a atitude que o homem adota ante um destino irremissível.
Mahatma Gandhi afirma: Eu tenho a dolorosa consciência de minha imperfeição e é neste reconhecimento que reside a força que possuo, pois é raro uma pessoa que conheça os seus limites.
Emanuel Mounier afirma que o ser humano é um fato nu, cego. Está aí, sem razão alguma. Somos viajantes num navio conduzido por ventos misteriosos. Este sentimento é tão terrível que dá ao ser humano a sensação de estar sobrando.
É nesta hora que todos temos que tomar o timão de nosso navio e nos tornarmos timoneiros, observando as recomendações de Paulinho da Viola: Não sou eu que me navega, quem me navega é o mar. É ele que me carrega como nem fosse levar.
Que ninguém solte a mão de ninguém e nos agarremos na mão de Deus!