TEOLOGIAS E DITADURA MILITAR-2
As teologias no contexto da ditadura civil militar 2
Pe. Nelito Dornelas
1- O Concílio Ecumênico Vaticano II e o repensar teológico
No discurso de abertura do Concílio Vaticano II (1962 - 1965), o papa João XXIII chama atenção dos padres sinodais para a sensibilidade da Igreja com a cultura moderna. Não engessar a doutrina, mas atualizá-la para conservar sua dupla fidelidade: a Deus e à humanidade.
“O espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um salto adiante na direção de um aprofundamento doutrinal e de uma formação das consciências, em correspondência doutrinal e de uma formação das consciências, em correspondência mais perfeita da fidelidade à autêntica doutrina, porém esta deva ser estudada e exposta por meio das formas da investigação e da formulação literária do pensamento moderno. Uma coisa é a essência da antiga doutrina do depositum fidei, outra coisa é a formulação de seu revestimento.”[1]
Esta orientação proposta pelo papa, de que o Concílio deveria se afinar ao pensamento moderno, revolucionou a forma de se discutir os temas em pauta e, acabou, levando para dentro das sessões conciliares, o método ver, julgar e agir, elaborado pela Ação Católica.
Palavras do mundo secular passaram a povoar o universo eclesial e ganharam cidadania teológica. A recepção do Concílio Ecumênico Vaticano II no Brasil, representou uma verdadeira libertação de determinadas algemas para setores críticos e engajados em diversas frentes eclesiais e sociais, que fora comparado como uma verdadeira Lei Áurea.
Merece destaque, considerando o objeto de nossa análise, a palavra profetismo, agora pronunciada pelos setores populares, sobretudo, os participantes das Comunidades Eclesiais de Base e demais seguimentos eclesiais. Olhando criticamente a história, durante séculos, não se falava em profetismo, nem na Igreja nem na sociedade em geral. Quando os teólogos faziam referência ao profetismo limitavam-se a comentar sobre os profetas do Antigo Testamento, ressaltando suas referências à vinda do Messias, realizadas em Jesus Cristo. Salientavam o aspecto misterioso das profecias e se utilizavam delas para justificar a divindade de Cristo.
O que desencadeou a redescoberta do profetismo em sua dimensão sociopolítica foi o pronunciamento corajoso da palavra “justiça”, feito pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Essa era, de fato, uma palavra proibida pelas elites dominantes no mundo inteiro, seja no interior da Igreja, seja na sociedade. No rastro do Concílio Vaticano II, a segunda Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano) em Medellín (1968) foi a maior expressão do espírito de profecia na América Latina, ao reconhecer que os pobres desse continente esperam pela justiça à qual têm o sagrado direito como expressão da vontade de Deus.
Na terceira Conferência do CELAM, em Puebla (1979), os bispos fazem um balanço de Medellín, afirmando que
“nos últimos dez anos, comprovamos a intensificação da função profética. Assumir tal função tem sido trabalho duro para os pastores. Temos procurado ser a voz dos que não têm voz e testemunhar a mesma predileção do Senhor com os pobres e os que sofrem. Cremos que nossos povos sentiram que estamos mais perto deles. Com certeza conseguimos iluminar e ajudar. Agora, colegialmente, tentaremos interpretar a passagem do Senhor pela América Latina” (CELAM, p. 268).
E dizem também:
“É de suma importância que esse serviço do irmão siga a linha que o Concílio nos traça: ‘cumprir, antes de mais nada, as exigências da justiça, para não ficar dando como ajuda de caridade aquilo que já se deve, em razão da justiça, suprimir as causas e não só os efeitos dos males e organizar os auxílios, de tal forma, que os que o recebem se libertem progressivamente da dependência externa e se bastam a si mesmos’”. (CELAM, p. 1146).