DIREITOS HUMANOS: 06

 

A Igreja e a defesa dos Direitos Humanos

Pe. Nelito Dornelas

Embora a doutrina dos Direitos Humanos tenha, de certa forma, sua origem no Cristianismo, em sua ética, e na concepção de pessoa humana da qual é portador, deve se reconhecer que houve por parte da Igreja Católica, e das Igrejas Cristãs em geral, forte relutância em aceitar sua formulação.

Essa dificuldade deve-se em grande parte ao modo e ao contexto como surgiu inicialmente a formulação filosófica dos Direitos Humanos. O contexto iluminista, anticlerical, e frequentemente agnóstico ou ateu, ao elaborar os chamados Direitos do Homem colocava o acento, sobretudo, na liberdade religiosa, sendo que, em termos práticos, principalmente no contexto europeu, a defesa da liberdade religiosa vinha quase sempre acompanhada de ações contra a religião e a Igreja. 

Nos anos de 1960 coube ao Papa João XXIII estabelecer na Encíclica Pacem in Terris a verdadeira recepção católica do paradigma dos Direitos Humanos incorporando-o na Doutrina Social da Igreja. Afirma que: “Em uma convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa;de  natureza dotada de inteligência e vontade livre. Por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais, invioláveis, e inalienáveis.”.

 Entre os direitos principais apontados por João XXIII encontram-se em primeiro lugar o “direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida”, o que inclui também o direito de ser amparado na doença, na velhice, na viuvez, na invalidez e em caso de desemprego forçado. Neste sentido, na Pacem in Terris, os direitos sociais encontram-se intima e indissociavelmente vinculados ao direito fundamental à vida. Os direitos sociais não são uma concessão ou um ato de caridade social, mas um dever de justiça que o Estado é obrigado a garantir, tendo em vista a dignidade da pessoa humana e o seu direito à vida.

No campo dos direitos civis, o Papa João XXIII também afirma a existência de direitos morais e culturais que incluem o direito à liberdade de pensar e expressar o pensamento e a receber informações verídicas sobre acontecimentos públicos, bem como o direito à educação e à formação técnica e profissional. Afirma-se também nessa Encíclica o direito à liberdade religiosa e à escolha do estado de vida. Outro campo de direitos é constituído pelos direitos econômicos e políticos que incluem o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito de participar ativamente da vida pública, o direito de reunião e associação. Reconhece também o direito de emigração e imigração como um direito fundamental da pessoa humana. 

O conjunto de Direitos afirmados nessa Encíclica ultrapassa os direitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, sobretudo pela ênfase dada aos direitos sociais e econômicos. Também se distingue da visão liberal dos Direitos Humanos ao integrar os direitos individuais aos sociais, a partir do princípio da responsabilidade social e do dever de solidariedade que vincula as pessoas humanas. 

A questão da liberdade religiosa foi aprofundada na Declaração Dignitatis Humanae do Concílio Vaticano II. Nessa Declaração destaca-se uma importante mudança de paradigma sobre o papel do Estado e sua função de garantir os direitos fundamentais, entre os quais se encontra, em posição central, juntamente com o direito à vida, o direito à liberdade: “Aliás, devem proteger-se na sociedade as normas da liberdade íntegra, segundo a qual se há de reconhecer ao homem a liberdade em sumo grau e não há de restringi-la a não ser quando e quanto for necessário” (7).  O Concílio destaca que “É postulado da própria dignidade que os homens todos – por serem pessoas, isto é, dotados de razão e de livre arbítrio e por isso enaltecidos com a responsabilidade pessoal – se sintam por natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo no que concerne à religião. São obrigados também a aderir a verdade conhecida e ordenar toda a vida segundo as exigências da verdade”(2). Não podem, entretanto, para isso sofrer coação, seja psicológica, seja externa. 

Segundo o Concílio, o direito à liberdade religiosa e de consciência não se funda em uma disposição subjetiva da pessoa, mas na sua natureza, e por isso “o direito à imunidade continua a existir, ainda para aqueles que não satisfazem a obrigação de procurar a verdade e a ela aderir” (2). O exercício da liberdade “não pode ser impedido, contanto que se preserve a ordem pública” (2). Nesta Declaração finalmente o princípio do Estado Democrático de Direito ganha sua plena cidadania na Doutrina Social da Igreja. 

As Encíclicas Populorum Progressio de Paulo VI e Caritas in Veritates de Bento XVI dão continuidade a esse paradigma que constitui o fundamento do Estado Democrático. Na Encíclica Deus Caritas Est o Papa Bento XVI sublinha enfaticamente o papel do Estado na promoção e garantia da justiça social, entendendo ser essa uma das funções centrais e primordiais da política e do Estado (28). 

 

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