POR UMA CULTURA DA PAZ

 

Por uma cultura da paz

Pe. Nelito Dornelas

A sensação que toma conta de muitas pessoas, em nossos dias, é a de que estamos vivendo em um caos, sinônimo de desordem, turbulência, desorientação, quebra de relações, de contratos, perda de valores, tornando a vida pessoal e em sociedade carregada de uma certa escuridão, muitas dúvidas, inquietações e preocupações com o presente e a garantia de continuidade do futuro.

Tudo parece fora do lugar, como se o chão estivesse fugindo debaixo dos nossos pés. Os números apresentados sobre o aumento da escalada da violência no Brasil e no mundo, a corrupção na vida privada e pública, o desmonte da Constituição, o retrocesso nas garantias de direitos e volta à barbárie, nos angustia e adoece a nossa alma, nos deprime, e, na maioria das pessoas, cria um sentimento de impotência, de indiferença e as imobiliza, como se a nossa existência estivesse pendurada por um fio sobre um abismo sem fundo.

A sensação de não haver saída, nem luz e nem remédio, causa um transtorno interno e externo, isolamento, medo, insegurança e, o pior, a busca por soluções rápidas e, aparentemente, fáceis, como a justiça pelas próprias mãos, a segurança privada e a aposta em aventureiros e justiceiros ‘salvadores da pátria’ e o descrédito nas instituições.

Em tais momentos, inútil olhar para o próprio umbigo à procura de uma solução. Faz-se necessário sair de si mesmo, olhar para fora, buscar um ponto de apoio sólido a partir do exterior. Um exemplo clássico é o de um barco perdido em meio ao mar revolto. Impõe-se a absoluta necessidade de buscar socorro na bússola, no farol, no porto ou nas estrelas, fora do ambiente sacudido pela tormenta.

A fé, a esperança e a caridade são bússolas que nos indicam o “norte”, o farol que ilumina as trevas, o porto seguro em terra firme, o céu pontilhado de estrelas. Estas frágeis virtudes são nossas armas, ou melhor, ferramentas que precisam de outros instrumentos para fazer cessar as violências, o terrorismo e as guerras.

Buscamos no Deus de Jesus Cristo a fonte da comunhão, a água cristalina para não nos amoldarmos às estruturas deste mundo, mas que sejamos transformados pela renovação de nossa mente, conscientes de que essa água não brotará dos desertos do orgulho, do poder e dos interesses individuais, nem das terras áridas do lucro a todo o custo, da ganância e da ambição, muito menos dos tráficos das armas, das drogas e das pessoas.

Nós nos mobilizamos para defender a sacralidade da vida humana, promover a paz entre os povos e salvaguardar a criação, nossa casa comum. A nossa fé cristã nos impulsiona a colaborar no enfrentamento evangelizador aos desafios no Mundo urbano, a abrir nossos olhos às necessidades da humanidade, de nossos irmãos, e, até mesmo, a sujar as mãos em prol de quem mais necessita.

A nossa opção deve ser a de mergulhar nas situações e dar o primeiro lugar aos que sofrem; assumir os conflitos e saná-los a partir de dentro; percorrer com coerência os caminhos do bem, recusando os atalhos do mal; empreender pacientemente, com a ajuda de Deus e a boa vontade, processos de construção de uma cultura de paz.

Paz é um fio de esperança que liga a terra ao céu, uma palavra tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil. Paz nasce do perdão que torna possível curar as feridas do passado. Paz é acolhimento, disponibilidade para o diálogo, superação dos fechamentos e ponte sobre o abismo.

Paz é colaboração, intercâmbio vivo e concreto com o outro, que constitui um dom e não um problema, um irmão e irmã com quem tentar construir um mundo melhor. Paz significa educação, um aprendizado todos os dias na arte difícil da comunhão, a adquirir a cultura do encontro, purificando a consciência de qualquer tentação de violência e rigidez, contrárias ao nome de Deus e à dignidade do ser humano.

Cremos e esperamos num mundo fraterno. Desejamos que homens e mulheres de religiões diferentes se reúnam e criem concórdia em todo o lado, especialmente onde há conflitos. O nosso futuro é viver juntos. Por isso, somos chamados a libertar-nos dos fardos pesados da desconfiança, dos fundamentalismos e do ódio.

Não há mundo comum. Jamais houve. Não somos iguais, somos semelhantes. O pluralismo está conosco para sempre. Pluralismo de culturas, das ideologias, das opiniões, dos sentimentos, das religiões, das paixões, mas também pluralismo das naturezas, das relações com os mundos vivos, materiais e também com os mundos espirituais.

Sem esta compreensão não há nenhum acordo possível sobre o que compõe o mundo, sobre os seres que o habitam, que o habitaram, que devem habitá-lo. Os desacordos não são superficiais, passageiros, devidos a simples erros de pedagogia ou de comunicação, mas resultados da intolerância. Eles ferem e destroem as culturas, a criação e os povos.

Que sejamos artesãos da paz na invocação a Deus e na ação em prol do ser humano! E nós, como líderes religiosos, temos a obrigação de ser pontes sólidas de diálogo, mediadores e promotores da paz.

Que formemos dirigentes e lideranças que tenham a responsabilidade do serviço aos povos, que olhem para além dos interesses pessoais e grupais. Que não caiam no vazio o apelo de Deus às consciências, o grito de paz dos pobres e os anseios bons das gerações jovens.

A paz é uma responsabilidade universal. Assumamos esta responsabilidade, reafirmemos hoje o nosso sim a ser, juntos, construtores da paz que Deus quer e de que a humanidade está sedenta.

 

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