MÍSTICA E COMPROMISSO SOCIAL

 

Mística e compromisso social

Pe. Nelito Dornelas

            

Nestes dias em que celebramos a IV Jornada Mundial dos pobres convocada pelo Papa Francisco, com o Tema: “Estende a tua mão ao pobre” (Eclo 7,32) pus-me a refletir sobre alguns poemas de Rabindranath Tagore.

Como místico e militante ele considerava que todas as pessoas partilhavam, no fundo de si mesmas, algo em comum. Acolhia a todos como irmãos e irmãs, “como um hóspede pronto a ser convidado: Não devemos perguntar de que país vem; devemos apenas acolhê-lo e oferecer-lhe o que tivermos de melhor”. Ele fazia tudo isso a partir de sua fé.

Deus, impossível de definir-se, tal como afirma Sao Gregório Nazianzeno: “Que espírito pode contemplar-te, se nenhum espírito te apreende? Que voz pode cantar-te, se nenhuma palavra te exprime?” 

Surge, nos inúmeros poemas de Tagore, uma verdadeira oração dirigida a Alguém impenetrável, mas presente, um Tu, a quem nunca alcançamos, mas que nos interpela, no seio de uma natureza viva, fonte de onde jorra o mistério, o sagrado, convidando-nos a tocá-lo ali.

Numa oração O Jardineiro, que recorda passagens do Cântico dos Cânticos ou o Cântico Espiritual de S. João da Cruz, ele afirma:

“Quando, de noite, vou sozinha à entrevista do amor, soam as argolas dos meus pés e sinto tanta vergonha. Os pássaros não cantam, não se agita o vento, de um e outro lado da rua, as casas ficam silenciosas. Soam as argolas dos meus pés, enquanto caminho. E sinto tanta vergonha. Quando sentada na varanda contendo a respiração, espero os seus passos. As folhas ficam mudas das árvores a água quieta no rio. E o meu louco coração palpita. Não sei como fazê-lo calar! Quando o meu amor chega e se senta ao meu lado, o vento apaga a minha lâmpada, as nuvens cobrem as estrelas. A joia do meu peito brilha. E não sei como apagá-la!” 

“Corre pela sombra dos bosques enlouquecida pelo próprio perfume assim corro eu, enlouquecido. Perdi o caminho e erro ao acaso. Quero o que não tenho e tenho o que não quero”.

 “Meu Deus é esta a minha oração: Fere, fere a raiz da miséria no meu coração. Dá-me força para levar facilmente as minhas alegrias e os meus pesares. Dá-me força para que o meu amor produza frutos úteis. Dá-me força para nunca renegar do pobre ou dobrar o joelho ao poder insolente. Dá-me força para levantar o meu pensamento sobre a mesquinhez quotidiana. Dá-me força, por fim, para, apaixonado, render a minha força à tua vontade”.

 “Quero inclinar-me diante de ti, mas a minha adoração nunca chega ao abismo onde teus pés descansam. Meu coração não sabe encontrar o teu caminho entre os mais pobres, humildes e perdidos, com a roupa dos miseráveis, que teus pés descansam. Teus pés caminham com os mais pobres, humildes e perdidos”. 

 “Irmão, nada é eterno, nada sobrevive. Recorda isto, e alegra-te. A nossa vida não é só a carga dos anos. A nossa vereda não é só o caminho interminável. Nenhum poeta tem o dever de cantar a antiga canção. A flor murcha e morre; mas aquele que a leva não deve chorá-la sempre. Irmão, recorda isto, e alegra-te. Chegará um silêncio absoluto, e, então, a música será perfeita. A vida inclinar-se-á ao poente para afogar-se em sombras douradas. O amor há de ser chamado do seu jogo para beber o sofrimento e subir ao céu das lágrimas. Irmão, recorda isto, e alegra-te.”

Que esses pensamentos nos ajude a estender nossas mãos aos pobres, sabendo que a sua carne é a própria carne do nosso Deus.

 

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