SOLO URBANO E PAZ
O solo urbano e a urgência da paz-
Estudos da CNBB 109
Pe. Nelito Dornelas
“O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”
(Papa Francisco).
O 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, celebrado em janeiro de 2014, em Londrina – PR, teve como tema os desafios pastorais do mundo urbano e a próxima assembleia geral da CNBB irá discutir sobre o mesmo tema. Para contribuir nesta discussão recomendo visitar o documento 109 da CNBB. Apresento-lhe uma síntese do mesmo.
Solo urbano, terra, habitação, relação, realização. O urbano, a cidade pertencem à urbe, cortês. Solo urbano é mais do que um pedaço de terra é lugar de convivência, mesmo na sobrevivência.
O estudo e o debate a partir do solo urbano demonstram que “as cidades não são e nunca devem ser consideradas apenas como mero espaço de circulação de pessoas e mercadorias, de construção de prédios e prestação de serviços. Há uma identificação das pessoas com o espaço em que vivem. E é, a partir dessa identificação, que o local passa a ser um lugar para as pessoas. Lugar pressupõe identificação, e todos os que vivem na cidade, em boa medida, possuem uma relação de identificação com ela” (Estudo da CNBB 109, n. 3).
Como lembra o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si’: “muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso. Há bairros que, embora construídos recentemente, apresentam-se congestionados e desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é conveniente para os habitantes deste planeta viver cada vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a natureza” (n. 44).
Há necessidade de tornar nossas cidades mais humanas, justas e acolhedoras. Será sempre mais acolhedora à medida que toda família tenha sua morada e todos possam usufruir do saneamento básico, uma necessidade fundamental. É urgente um movimento que torne a cidade mais cortês.
O Texto de Estudo O solo urbano e a urgência da paz deseja discutir essa realidade de nossas cidades. São três passos, três olhares, na tentativa de iluminar e indicar caminhos: “Um olhar sobre as questões urbanas”; “Solo urbano e moradia-princípios cristãos para julgar”; “Rumo à cidade de que precisamos”.
Somos sempre, como discípulos missionários, convocados à fidelidade. Fidelidade à missão de guardar e cuidar da obra criada (cf. Estudo da CNBB 109, n. 130). Somos insistentemente convidados a cuidar dos espaços comuns, das estruturas urbanas para melhorar a percepção de pertença, de enraizamento, do sentimento de “estar em casa” na cidade. Ninguém se sinta marginalizado, um estranho, um “desabitado”, sem chão. Possamos juntos construir uma nova cidade como um “nós” (cf. LS, n. 151).
1. Muitas das diversas questões colocadas por uma realidade de desigualdades estão relacionadas ao solo urbano e a tudo o que ele engloba: favelas, enchentes, lixões, poluição das águas, desmoronamentos, mobilidade e acesso à moradia. O presente texto é parte do esforço da Igreja em abordar o tema, buscando trazer luzes que ajudem na reflexão e na ação pastoral. Conforme nos exorta o Papa Francisco: “Evangelizar supõe zelo apostólico, ou seja, sair de si mesma (a Igreja) e ir às periferias, não só geográficas, mas também às periferias existenciais”. É urgente a busca pela paz no solo urbano e é papel do cristão e da cristã refletir e agir para garantir essa constante busca evangélica.
2. Nas periferias urbanas, encontram-se jovens, negros, mulheres chefes de famílias, operários, idosos, migrantes, deficientes físicos, pessoas em situação de rua, ciganos dentre outros. Esses grupos populacionais, considerados minorias ou grupos vulneráveis socialmente, estão sujeitos a situações de violência, degradação ambiental e falta de acesso à água potável, falta de mobilidade urbana, desemprego e até mesmo assassinatos e chacinas. Nesse contexto, lutar por um lugar na cidade é também lutar por cidadania, com acesso a tudo o que a cidade produz de bens e serviços.
3. As cidades não são e nunca devem ser consideradas apenas como mero espaço de circulação de pessoas e mercadorias, de prédios e prestação de serviços. Há uma identificação das pessoas com o espaço em que vivem. E é, a partir dessa identificação, que o local passa a ser um lugar para gente. Lugar pressupõe o espaço em que todos os que vivem na cidade, em boa medida, possuem uma relação de pertencimento a ela. É preciso tornar nossas cidades mais humanas, justas e acolhedoras.
4. O texto dialoga com o documento publicado pela CNBB em 1982 – Propriedade e uso do solo urbano: situações, experiências e desafios pastorais – e propõe a retomada desta reflexão, dada a gravidade do uso do solo urbano na atual conjuntura. Tal situação exige uma palavra da Igreja no seu compromisso com Jesus Cristo, aquele que se fez solidário com todos os pobres e sofredores (cf. Lc 16s).
5. O texto está dividido em três partes. A primeira convida a um olhar sobre as questões urbanas e sobre suas consequências no tocante ao uso do solo, incluindo o direito de morar e a proteção ambiental. Tais demandas são agravadas pelo fato de o acesso ao solo urbano estar marcado pela disputa mercantilista, explicitando a existência do mercado imobiliário como um ente acima do direito da população morar com dignidade.
6. A segunda parte traz a iluminação bíblico-teológica sobre a leitura da problemática do solo urbano, baseada na Palavra de Deus e na Tradição da Igreja. O direito à moradia faz parte da história da humanidade e tem a pessoa humana e a sua dignidade como ponto de partida. No Brasil, esse direito é garantido constitucionalmente, sendo condição fundamental da humanização da sociedade. A Doutrina Social da Igreja sugere dois princípios que balizam esta interpretação: a primazia da pessoa e a destinação universal dos bens. Tais referências contribuem para uma análise profunda do acesso ao solo urbano. Sugerem princípios inequívocos para que compreendamos a gravidade da problemática e a construção de estratégias de ações para o enfrentamento à questão do solo urbano. A terceira parte é um convite a caminharmos rumo à cidade de que precisamos.