AUGUSTO MATRAGA
A Hora e a Vez de Augusto Matraga
Pe. Nelito Dornelas
Sagarana é uma coletânea de nove novelas de João Guimarães Rosa. A hora e a vez de Augusto Matraga inicia a terceira fase da obra. Ela recria uma verdadeira saga do ser humano na travessia por este mundo.
Matraga é o ser humano em sentido universal em busca de si mesmo, de sua essência, é a contração de traga-me a mim mesmo, daí, Matraga. Sua trajetória recria a passagem evolutiva em busca do aprendizado do viver e da ascensão espiritual em plenitude. Seu objetivo será ter sua hora e sua vez de entrar no céu, "mesmo que seja a porrete". É uma história de redenção e espiritualidade, uma história de conversão. Ao longo da obra o seu protagonista, Augusto Matraga, passa por diversas etapas da vida em busca da plenitude do ser, a salvação.O protagonista é Augusto Esteves, que se transforma em Nhô Augusto e busca tornar-se Augusto Matraga. Nestes três momentos de sua existência há uma verdadeira teologia da encarnação. Percebe-se a constância do termo Augusto, cujo significado é ‘o consagrado’, ‘o sublime’ ‘o majestoso’ ‘o elevado’. Trata-se de um nome repleto de força, que remete à sagacidade e à obstinação, características fundamentais de um vencedor, atribuídas aos heróis e às divindades.
Augusto Esteves representa na categoria trinitária o Pai. Merece destaque a expressão Esteves que é o verbo ser e estar no passado. Nhô Augusto é Deus Filho humanado, com destaque para a expressão Nhô que é a corruptela de Senhor, agora na proximidade afetuosa. Augusto Matraga expressa a pessoa do Espírito Santo, cuja presença nos devolve a dignidade divina, o Augusto que se faz presente nos três momentos, agora destacando a expressão Matraga, traga-me a mim mesmo a minha essência perdida.
Quem era este misterioso personagem? Ele foi criado por uma avó, que o queria padre. No entanto, de herança de pai covarde e tio criminoso, enveredou pelos caminhos da violência, tornando-se um homem rico, chefe de jagunços, o Augusto Esteves. Seu desmoronamento se dá quando, ao chegar atrasado numa quermesse, juntamente com seus jagunços, não tendo mais o que arrematar, obriga o leiloeiro a colocar em leilão uma prostituta, a quem ele chama de Sariema e a arremata por 50.000 réis. A partir desse momento ele perde tudo. A esposa Dionóra foi conviver com Ovídio, a filha Mimita tornou-se prostituta, seus capangas o abandonaram passando para o lado do seu inimigo Major Consilva. Restou-lhe apenas um burro, transformando-se no Nhô Augusto, andando perdido pelas Gerais.
Nhô Augusto chega à fazenda do Major Consilva. Ele é cercado pelos capangas, alguns ex-subordinados seus. É espancado, marcado por ferro em brasa e, antes de sofrer o pior, atira-se de um altíssimo barranco. Para seus inimigos, estava morto. Mas é resgatado e cuidado. Ficou dias inconsciente. Voltou a si e redescobriu a paixão pela vida, tornando-se Augusto Matraga, num misto de louco e santo no olhar do povo. Vive dessa forma por quase sete anos. Um dia, sofreu uma dura tentação de buscar a vingança. É nessa hora que lhe cai sobre as costas uma torrente de chuva tirando-lhe um peso das costas lavando o pó de outras épocas, num verdadeiro batismo.
É então que surge o bando de Joãozinho Bem-Bem pronto para cometer um crime muito bárbaro no Arraial do Rala-Coco. A fúria do criminoso parecia não ter limite, e nesse instante aparece Augusto Matraga intercedendo por aquelas vítimas, mas o bandido estava tomado de um maligno espírito vingativo que nada o continha. Matraga defende a bondade divina, sempre pedindo para seu opositor evitar uma tragédia injusta, mostrando suas mãos sem armas. O inevitável acontece. Há uma terrível luta e os dois saem feridos, mas Matraga, sempre invocando o nome do Senhor e pedindo para seu amigo se arrepender dos pecados, acaba vencendo, rasgando a barriga de Joãozinho Bem-Bem com seu próprio punhal, que morre segurando nas mãos suas entranhas. Augusto Matraga estava morrendo também, mas não se considerava assassinado, mas dando sua vida, contente.
Aclamado como santo e salvador entre o povo que tenta socorrê-lo, ainda tem tempo para fazer com que respeitassem o cadáver de Joãozinho Bem-Bem, mandando que o enterrassem dignamente. Abençoa a filha e a ex-esposa. Morre, porque havia chegado a sua hora e a sua vez. Havia realizado sua missão, cumprido os planos de um misterioso desígnio divino. Estava salvo. Ia para o céu ‘nem que seja a porrete’.