FESTAS JUNINAS
FESTAS JUNINAS
O mês de junho e a devoção aos santos mais populares
Pe. Nelito Dornelas
A cultura popular brasileira é guardiã da memória religiosa, povoada por santos e demônios, “Deus e o diabo na terra dos homens”.
Com muito santo e pouco padre, muita reza e pouca missa, assim se estruturou e sobreviveu às investidas do tempo. O Papa Francisco tem insistido muito na valorização da religião popular, do povo, como o lugar da experiência de fé.O mês de junho é o mais nobre no calendário popular, ao celebrar Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo. E a liturgia encerra este mês com a festa da unidade da Igreja, fazendo memória de Pedro e Paulo. Ainda hoje, comentando com meu colega e amigo Pe. Jamir sobre as chaves da Igreja que Jesus entregou a Pedro, conforme testemunha Mateus 17, chegamos à conclusão de que naquele contexto, a chave servia somente para abrir aquelas pesadas portas que se fechavam apenas com as mãos. Portanto, a missão das chaves de Pedro é a de abrir a Igreja e nunca de fechá-la.
Em minha concepção deveríamos celebrar a unidade fazendo memória às quatro colunas da Igreja, a saber: Maria Madalena, como a testemunha da fé; Maria de Nazaré, como a fonte, da qual a igreja se alimenta; Pedro, a instituição, a norma, a lei e Paulo, o carisma, a liberdade de espírito, a missão. Para dar leveza em nossa reflexão, sirvo-me de um texto de Guaipuan Vieira que descreve, em forma de cordel, o duelo entre Lampião e São Pedro na porta do céu.
Foi numa Semana Santa/Tava o céu em oração/São Pedro estava na porta/Refazendo anotação/ Daqueles santos faltosos/Quando chegou Lampião. Pedro pulou da cadeira/Do susto que recebeu/ Puxou as cordas do sino/Bem forte nele bateu/Uma legião de santos/Ao seu lado apareceu. São Jorge chegou na frente/Com sua lança afiada/Lampião baixou os óculos/Vendo aquilo deu risada/Pedro disse: Jorge expulse/Ele da santa morada. E tocou Jorge a corneta/ Chamando sua guarnição/Numa corrente de força/Cada santo em oração/Pra que o santo Pai Celeste/Não ouvisse a confusão. O pelotão apressado/Ligeiro marcou presença/Pedro disse a Lampião: Eu lhe peço com licença/Saia já da porta santa/Ou haverá desavença. Lampião lhe respondeu: Mas que santo é o senhor?/ Não aprendeu com Jesus/ Excluir ódio e rancor?/Trago paz nesta missão/ Não precisa ter temor. Em um quarto bem acústico/Nosso Senhor repousava/O silêncio era profundo/ Que nada estranho notava/ Sem dúvida o Pai Celeste/ Um cansaço demonstrava. Pedro já desesperado/ Ligeiro chamou São João/Lhe disse sobressaltado:/Vá chamar Cícero Romão/Pra acalmar seu afilhado/Que só causa confusão. /Resmungando bem baixinho/Pra raiva poder conter/Falou para Santo Antônio: Não posso compreender/Este padre não é santo/ O que aqui veio fazer?! Disse Antônio: fale baixo/De José é convidado/Ele aqui ganhou adeptos/Por ser um padre adorado/No Nordeste brasileiro/Onde é “santificado”./Padre Cícero experiente/Recolheu-se ao aposento/Fingindo não saber nada/Um plano traçava atento/ Pra salvar seu afilhado/Daquele acontecimento. Logo João bateu na porta/Lhe transmitindo o recado/Cícero disse: vá na frente/Fique despreocupado/Diga a Pedro que se acalme/ Isso já será sanado. Alguns minutos o padre/ Com uma Bíblia na mão/Ao ver Pedro lhe indagou: / O que há para aflição? Quem lá fora tenta entrar/ é também um ser cristão,/São Pedro disse: absurdo/Que terminou de falar/Mas Cícero foi taxativo: /Vim a confusão sanar/Só escute o réu primeiro/Antes de você julgar./ Não precisa ele entrar/ Nesta sagrada mansão/ O receba na guarita/ Onde fica a guarnição/Com certeza há muitos anos/Nos busca aproximação. Vou abrir esta exceção/Falou Pedro insatisfeito/O nosso reino sagrado/Merece muito respeito/ Virou-se para São Paulo:/Vá buscar este sujeito. Lampião tirou o chapéu/Descalço também ficou/Avistando o seu padrinho/ Aos seus pés se ajoelhou/O encontro foi marcante/ De emoção Pedro chorou/ Ao ver Pedro transformado/ Levantou-se e foi dizendo:/ Sou um homem injustiçado/ E por isso estou sofrendo/ Circula em torno de mim/ Só mesmo o lado ruim/ Como herói não estão me vendo./ Sou o Capitão Virgulino/ Guerrilheiro do sertão/ Defendi o nordestino/ Da mais terrível aflição/ Por culpa duma polícia/ Que promovia malícia/ Extorquindo o cidadão. Por um cruel fazendeiro/ Foi meu pai assassinado/ Tomaram dele o dinheiro/ De duro serviço honrado/ Ao vingar a sua morte/ O destino em má sorte/ Da “lei” me fiz um soldado. Mas o que devo a visita /Pedro fez indagação/ Lampião sem bater vista:/ Vê Padim Ciço Romão/ Pra antes do ano novo/ Mandar chuva pro meu povo/ Você só manda trovão/ Pedro disse: é malcriado/ Nem o diabo lhe aceitou/ Saia já seu excomungado/ Sua hora já esgotou/ Volte lá pro seu Nordeste/ Que só o cabra da peste/Com você se acostumou.
Este autor terminou assim este duelo. Há outros que escolheram opção diferente para seu fim. O que importa é que não há limites para o imaginário popular quando o assunto é religião.