ECONOMIA SOLIDÁRIA
Economia solidária - Pe. Nelito Dornelas
( um debate urgente e necessário sobre o uso do dinheiro -)
A Economia solidária ganha força e relevância, sobretudo, no contexto atual, devido à crise econômica mundial que deixou milhões e milhões de desempregados e ainda insiste em perpetuar-se nos mesmos parâmetros, sem nenhuma flexibilização.
Promover o debate sobre a Economia solidária consiste em resgatar o sentido originário da Economia entendida como a atividade destinada a garantir a base material da vida pessoal, social e espiritual. É a tomada de consciência de que a Economia não pode ocupar todos os espaços da vida em sociedade, como vem ocorrendo, sobretudo, nas últimas décadas. A sociedade mundial virou uma sociedade de mercado e todas as coisas, desde o sexo à Santíssima Trindade, viraram mercadorias, com as quais se pode ganhar dinheiro. A economia é parte de um todo maior.
Para contribuir neste debate temos que distinguir três dimensões da atividade humana, entre as quais está também a Economia.
a) Primeira dimensão: somos seres de necessidade. Precisamos comer, beber, vestir, ter saúde, morar, locomover-se, ter segurança e outros serviços. Nisso, todos dependemos uns dos outros para atender a esta infraestrutura. É o campo da economia.
b) Segunda dimensão: somos seres de relação. Colaboramos com os outros, criamos direitos e deveres, observamos leis e juntos construímos o bem comum. É o lugar da política.
c) Terceira dimensão: somos seres criativos. Cada pessoa possui habilidades, não só reproduz o que está aí, mas cria, exerce sua liberdade e faz a sociedade avançar. Mesmo com conflitos, tecemos o tecido social, que cria a estrutura básica da sociedade. É o âmbito da cultura.
Uma dimensão fundamental da economia, que precisa ser analisada é sobre o uso do dinheiro. No começo não havia dinheiro, mas a troca: eu lhe dou um quilograma de arroz e você me dá três garrafas de leite. Reinava a relação direta e a confiança de que as trocas eram justas. Mas ao sofisticar-se a sociedade, entrou o dinheiro como meio de troca. E aí surgiu um risco, pois dinheiro significa poder que obedece a esta lógica: quem não tem quer ter; quem tem quer ter mais e quanto mais tem, mais quer e nunca fica satisfeito e acha que o que tem não é suficiente. Assim nasce a especulação que é ganhar sem trabalhar, dinheiro fazendo dinheiro. Com já denunciava Mahatma Gandhi. Para ele a sociedade moderna se fundamenta sobre sete pecados capitais que estão levando a humanidade à ruina total, a saber: riqueza sem trabalho, prazer sem escrúpulo, ciência sem humanidade, conhecimento sem sabedoria, comércio sem ética, política sem idealismo e religião sem sacrifício.
Mas a Economia solidária resgata o debate sobre o dinheiro, considerando três usos legítimos que o envolvem: para comprar, para economizar e para doar.
Dinheiro para comprar é necessário para o consumo daquilo que precisamos. Mesmo assim devemos sempre colocar a pergunta: compro por que preciso ou por que sigo a propaganda ou a moda? Quem fabrica, explora os funcionários? Ao produzir, respeita os direitos humanos e a natureza ou polui e usa demasiados pesticidas? Esse dinheiro é para o hoje.
O segundo uso do dinheiro é aquele para economizar. É coisa para o amanhã. Não sabemos as voltas que a vida dá: doença, desemprego, aposentaria insuficiente. Muitos nem conseguem economizar, pois consomem tudo na sobrevivência. Mas se sobrar, onde colocar este dinheiro? Deixá-lo no colchão é dinheiro morto que nada produz. Aqui surgem os bancos que guardam o dinheiro. Fazem-no render, ao emprestá-lo a quem quer produzir e que não dispõe de capital próprio. Este recebe o dinheiro como empréstimo, mas faz rendê-lo na produção, paga algum juro ao banco que repassa uma parte ao dono do dinheiro. Uma pessoa consciente quer saber para quem o dinheiro é emprestado: para construir armas, para apoiar empresas que devastam a natureza? Extraordinária é a decisão em Bangladesh e a experiência exitosa até agora no Brasil de criar a linha do microcrédito para apoiar os pobres que querem produzir.
O terceiro uso do dinheiro é para doar. O dinheiro não é para a acumulação, mas para a circulação. Se atendo com suficiência e decência minhas necessidades, se tenho economias que me dão certa tranquilidade para o futuro, se tenho garantido o bem-estar e certo futuro à família, a doação é um ato de grande desprendimento. Expressa a gratidão pelo dom da vida, da saúde, do amor recebidos dos outros. É altamente ético doar para as vítimas do furacão Matthew no Haiti, que deixou mais de mil mortos e milhares de desabrigados, para apoiar projetos de combate à prostituição infantil, ao trabalho escravo, ao tráfico de pessoas, ou creches para populações da periferia. E aí sentimos que ao dar, recebemos a alegria impagável de ter feito o bem e de ter amado o outro.
Termino com frase de São Jerônimo: dinheiro é como estrume. Se ficar amontoado apodrece, azeda e não serve para nada. Se for distribuído torna-se um esterco fértil capaz de gerar vida.