A FIGUEIRA DE NATANAEL

 

A figueira de Natanael

Pe. Nelito Dornelas

 

“Filipe encontrou-se com Natanael e disse-lhe: encontramos Jesus, o filho de José, de Nazaré, aquele sobre quem escreveram Moisés na lei, bem como os profetas. Natanael perguntou: de Nazaré pode vir algo de bom? Filipe respondeu: vem e vê!

Jesus viu Natanael que vinha ao seu encontro e declarou a respeito dele: este é um verdadeiro Israelita, no qual não há falsidade. Natanael disse: de onde me conhece? Jesus respondeu: antes que Filipe te chamasse, quando estava debaixo da Figueira eu te vi. Natanael exclamou: Rabi tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel. Jesus lhe respondeu: está crendo só porque falei que te vi debaixo da Figueira? Veras coisas maiores que estas. E disse-lhe ainda: em verdade, em verdade vos digo, vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1, 45-51).

O evangelho de João apresenta Jesus como um artista que, no palco da vida, representa o drama da história da humanidade. Como os anjos da escada de Jacó (Gn 28,12), ele ligará, por si mesmo, o que está quebrado, desintegrado e dividido, tanto o que está em cima quanto o que está em baixo, o celestial e o terreno, assumindo e redimindo tudo e todos.

E, de repente, surge, inesperadamente, no palco a figura de Natanael, um personagem enigmático, desconfiado, curioso e descrente quanto à possibilidade de sair alguma coisa boa de Nazaré. Como que arrastado, vai com Filipe, que pretende apresenta-lo a Jesus. Esta curiosidade aparente revela o contexto religioso e cultural do povo de Israel em sua longa espera pelo Messias. É um povo que há séculos depositou sua esperança nos reis e foi por eles desenganado, traído. Transferiu então sua expectativa para um enviado de Deus, o qual, conforme as Escrituras, haveria de nascer da descendência de Davi e ser o verdadeiro Messias.

O dramático encontro entre Natanael e Jesus é um verdadeiro espetáculo carregado de sentido e de significados. Pensemos na figueira de Natanael. Não seria ela o lugar oculto onde ele se escondia de tudo e de todos, particularmente nos momentos duros e difíceis, nas tribulações mais pesadas da existência? Não seria o recanto obscuro onde se refugiava nas horas de raiva, de tristeza, de angústia ou de revolta? Quem sabe ali derramava suas lágrimas mais ardentes, curtia seus medos e dúvidas mais pungentes, arrancava os cabelos diante da impotência! Não será a figueira o lugar, onde, a sós com a própria turbulência, Natanael engolia em seco os soluços amargos de suas situações-limite? E é justamente ali que Jesus afirma tê-lo visto! Tantas coisas e momentos de sua vida podiam e mereciam ser mencionadas com maior razão, mas aquele olhar, ao mesmo tempo estranho e penetrante, vai descobri-lo logo debaixo da figueira!

Também nós passamos por desertos estéreis, por noites escuras, por becos sem saída. São os momentos em que não queremos ver nada e ninguém. É quando o desespero bate à porta e gritamos: não aguento mais! Por isso, queremos ficar a sós conosco mesmos, para não expor em praça pública a dor, o pranto ou a tormenta que inunda todo nosso ser.

Também nós temos nossa própria figueira, nossos refúgios para onde fugimos à procura de alguma resposta. Quem já não passou por tais momentos de sofrimento sem remédio!

A figueira é o lugar da nudez. Lugar em que Natanael se encontra consigo mesmo, com suas fraquezas e debilidades, com sua condição humana mais mesquinha e impotente. É a partir dessa experiência que Jesus o chama. 

Tendo passado pela figueira e tido a coragem de encarar-se a si mesmo, ele está preparado para identificar e compreender as dificuldades dos outros. A figueira alarga o leque de nossa compaixão para com as dores e situações difíceis dos outros. Ao revelar nossa debilidade, manifesta igualmente a debilidade de cada ser humano, junto com a necessidade de misericórdia para com as fraquezas alheias.

Natanael representa a reserva ética da indignação que, diante da humanidade em suas dores e sofrimentos, é capaz de estender a mão aos órfãos, perdidos e abandonados e apontar-lhes uma luz em seus caminhos.


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