A IDENTIDADE CRISTÃ

 

A identidade cristã

Pe. Nelito Dornelas

 

A psicanálise aponta, como uma das enfermidades mais frequentes e males maiores de nosso tempo, a crise de identidade pessoal, que nasce da falta de aceitação de si mesmo e das próprias limitações por parte do indivíduo.

Isto o conduz a frustrações, que por causa da ignorância do próprio lugar e destino na vida e na sociedade, desemboca na ruptura da alteridade e no equilíbrio nas relações com os demais.

As consequências habituais de tal situação doentia são, muitas vezes, as condutas neuróticas e as psicoses profundas tornando-nos esquisitos, esquizoides e até mesmo esquizofrênicos, com duplicidade de personalidade. É uma enfermidade, que a filosofia conhece pelo nome de anomalia, a ausência de normas, causando crises e rupturas na convivência familiar, comunitária e social. Outros passam a ter um comportamento alienado que se expressa na agressividade, na violência ou na fuga da realidade por meio do uso das drogas lícitas ou ilícitas e do uso e abuso do sexo desprovido de qualquer compromisso afetivo. Em outros casos surgem a depressão e, no extremo, as tendências suicidas.

Em nível religioso percebemos também que a falta de identidade cristã, aquela que molda o batizado à pessoa de Cristo, causa também uma enfermidade espiritual, com enormes consequências negativas para o corpo eclesial e a vida social. É bom ressaltar que pelo batismo acrescenta-se ao nome próprio um sobrenome, cristão/cristã. Esta será a nossa identidade, que deverá ser construída de forma livre e prazerosa, não como carga imposta, mas como dom gratuito da paternidade e maternidade divinas.

Ao longo destes vinte séculos de cristianismo podemos tirar valiosa lição para nossos dias. Richard Nieburh, em seu livro Cristo e Cultura, fala de quatro atitudes do cristianismo frente a cultura. Segundo ele, do século II ao século IV o cristianismo tomou uma postura de contraposição à cultura. Ele entrou pelo caminho de guerra declarada à cultura dominante. Do século V ao século X deu-se o casamento com a cultura oficial, estabelecendo as bases da cultura ocidental cristã. Do século XI ao século XV, o cristianismo colocou-se acima da cultura, estabelecendo não uma ruptura, mas passou a apresentar a superioridade da cultura cristã. A partir do século XVI o cristianismo se impôs como aquele que é capaz de transformar as culturas.

E o Brasil que entrou para o calendário europeu no século XVI, sofre, até os dias de hoje, as consequências desta última posição. Nossa cultura não fora apenas transformada, mas transplantada. Nossa identidade cultural foi totalmente desfeita para ser refeita de uma forma única. Tornamo-nos outro povo. No fervilhar desse caldeirão, surgiu o povo indo-américo-afro-latino- brasileiro.

Resta-nos o mergulho profundo e verdadeiro em nossas identidades culturais. Quem o fizer terá que se deparar também com a fé cristã como a mais genuína herança de nossa identidade cultural. Negá-la ou ignorá-la poderá ser profundamente prejudicial à nossa saúde psíquica e social.

Mergulhados nessa cultura pós-moderna, pós-cristã, pós-humana, pós-democrática e pós-verdade já começam a dar sinais videntes de quanto estrago é capaz de fazer o descompromisso com a identidade cristã. Como já nos alertava o rimador popular: peneira que cessa ouro não pode cessar fubá, com a mentira e a verdade o cristão não pode amasiar. E Tertuliano, escritor cristão do segundo século, já nos advertia: o cristão não nasce, se faz!

E para o nosso século o cristianismo incluiu em sua agenda evangelizadora o projeto de inculturação da fé cristã, que implica em mudarmo-nos em direção a Cristo, até atingirmos sua estatura, em vez de querer mudar o outro. É nesta perspectiva que se insere o Sínodo Pan Amazônico, convocado pelo Papa Francisco, para outubro do corrente ano. Acompanhemo-lo atentamente.

Permanece válida a advertência do Apóstolo Paulo para quem quer buscar a essência da identidade cristã: e não vos conformeis com os esquemas deste mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito (Rm 12,2).


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