QUARESMA, CAMINHO DE CONVERSÃO
Quaresma: um caminho misterioso de conversão
Pe. Nelito Dornelas
A palavra conversão é expressão bem acentuada no tempo da quaresma.A vida cristã deve ser pautada pela tônica quaresmal de forma permanente, como nos alerta São Bento, realçando o aspecto de sobriedade que deve ser almejado como sinal concreto de conversão. No Novo Testamento o termo empregado para conversão é metanoién e epistréfo, para expressar a ideia de retorno e profunda mudança de mentalidade e de transformação interior. Eles possuem um significado preciso, referindo-se tanto à dor interior de arrependimento por aquilo que se fez, bem como as formas exteriores de penitência, manifestando também a ideia de retorno. Estes termos foram empregados pelo apóstolo Paulo para referir à sua conversão e o resumo de sua pregação: “Preguei aos pagãos para que se convertessem e voltassem a Deus, realizando obras de verdadeira conversão” (At 26,20)
Neste tempo quaresmal a experiência de conversão do apóstolo Paulo joga uma luz forte para nos orientar nos misteriosos caminhos da conversão, pois ela está entre os fatos mais importantes nas origens da história do cristianismo. A poderosa figura de Paulo sobressai entre os outros apóstolos e demais discípulos e discípulas de Jesus. Suas palavras foram e continuam sendo luzes nos sinuosos caminhos da história e na vida da Igreja e da humanidade em todas as épocas. Conhecer o pensamento de Paulo leva-nos, inevitavelmente, ao Cristo de nossa fé, sem nenhum prejuízo ao Jesus histórico, embora Paulo não o conhecesse.
O primeiro episódio da conversão de Paulo é o acontecimento de Damasco, que se tornou fato determinante em sua vida. Damasco esconde um mistério de difícil compreensão para nós, até porque o próprio Paulo só compreende o alcance de Damasco na hora de sua morte. O certo é que tudo começa em Damasco.
Não é possível pensar em Damasco somente sob o ângulo de uma conversão moral, como se Paulo fosse um grande pecador e, a certa altura, compreendendo o mal que estava fazendo, muda sua maneira de viver. Nesta perspectiva, a conversão de Paulo é entendida em nível de mudança ética, de uma profunda transformação em seu interior. Nesta ótica, tudo se concentra naquilo que Paulo era, naquilo que faz para mudar, naquilo em que ele se transforma.
É falso pensar em Paulo como alguém que muda de bandeira. De um zeloso observador da Lei, a partir de certo ponto, põe seu zelo, sua habilidade, sua oratória, sua incansável atividade a serviço da nova bandeira, Jesus Cristo. Aqui há só mudança de objeto, de endereço, antes servia à Sinagoga, depois passa a servir à Igreja de Cristo. Entra-se na dinâmica em que o vulcão das próprias energias colocadas numa coisa se desloca para outra que parece melhor. Isso não é conversão, mas mudança de posição no campo, mas o jogo é o mesmo. Não é correto falar de conversão de Paulo, se ele mesmo nunca usa esta expressão, nem mesmo para falar do acontecimento de Damasco, mas falar em metanoién e epistréfo que é muito mais do que simplesmente uma conversão.
O evento de Damasco é visto por Paulo muito mais numa dimensão existencial, algo que lhe imprime um caráter, comprometendo toda sua pessoa e suas relações. É um enfoque novo em sua existência, é um arrebatamento pela pessoa de Cristo.
“Mas, quando aquele que me escolheu desde o seio de minha mãe, e me chamou pela sua graça, achou bom revelar seu Filho a mim, para que o anunciasse aos pagãos.” (Gl 1,15-16). Paulo usa quatro verbos para expressar essa experiência: escolheu-me, chamou-me, achou bom revelar-me, para que eu o anunciasse. A experiência de Damasco é descrita essencialmente como a revelação plena de Jesus Cristo a Paulo, que o arrebata para uma missão. Paulo afirma ser uma pessoa irrepreensível, pois nele se realizou uma reviravolta total de todo o seu mundo. O conhecimento de Cristo adquire para ele uma capacidade de preencher tudo. O encontro, o conhecimento, a plenitude de Cristo fazem empalidecer seus critérios de julgamentos, seu centro de decisão, bem como, sua hierarquia de valores.
Conversão, portanto, é uma atitude interior de abertura plena à graça divina, que nos leva para o campo de batalha, como cantava nosso poeta popular Zé Martins: tudo muda se a gente batalhar, se a gente não lutar nada vai mudar ou como dizia Santa Juliana: nada mudou, nada mudou, senão a minha atitude e assim tudo mudou.